Fotos: Dárcio de Jesus

Matinê: Louveirenses fazem fila para ver Castelo Rá-Tim-Bum, entre eles Ewerton e Wesley, que nunca tinham assistido a um filme em tela grande

Na era do multiplex, do som dolby e da imagem digital, pensar o cinema como um divertimento mambembe é algo que, em tese, só atrairia nostálgicos ou historiadores. Mas foi um pouco com essa idéia na cabeça que a dupla de cineastas Laís Bodansky e Luiz Bolognesi, respectivamente diretora e roteirista de O bicho de sete cabeças, colocou na estrada o projeto Cine TelaBrasil, uma sala itinerante que viaja sobre as rodas de um caminhão-baú pelo interior de São Paulo, levando os últimos sucessos nacionais a cidades que não possuem nem o antigo “cinema poeira”. O lado circense do empreendimento, na verdade, ficou só na inspiração. Com sua tela de sete metros de largura, som estéreo, ar-condicionado, banheiro e platéia para 225 pessoas confortavelmente sentadas, a sala desmontável impressiona. E o que é melhor: a matinê e as sessões adultas são de graça. Na quinta-feira 13, a caravana que inclui um carro de passeio vai estar em Cajamar, na Grande São Paulo. Depois segue para Caieiras, Paulínia, Cosmópolis e mais 15 cidades, desenhando um itinerário típico de road movie na região das rodovias Anhangüera-Bandeirantes.

Esta não é a primeira vez que a dupla de cineastas carrega na boléia sua
carga mágica de imagens em movimento. Na verdade, a aventura começou
há oito anos, com o Cine Mambembe, que tinha como objetivo viajar pelo
interior do Brasil e exibir em praças públicas somente filmes brasileiros que promovessem a cultura nacional. Era o início da Retomada e as sessões chegavam a atrair até duas mil pessoas, sedentas de histórias faladas em português. “Nessa época, a gente fazia curtas que só eram exibidos em festivais. A partir daí, pensamos em mostrá-los para pessoas que não tinham condições de ir ao cinema”, afirma Bolognesi. A dupla cinéfila lembra com orgulho o período heróico do Cine Mambembe, quando costumavam se embrenhar até por estradas de terra. Munido apenas de uma Saveiro, um projetor 16 mm, uma tela de 1,80 m x 2,20 m, um equipamento de som e um gerador, o projeto passou por muitas comunidades e aldeias que não tinham sequer luz elétrica. “Muitas vezes, começava a chover e tínhamos que interromper os filmes no meio da sessão”, lembra Bolognesi, que amargou por muito tempo a falta de estrutura em razão da ausência de patrocínio. O projeto atual é bancado pela Companhia das Concessões Rodoviárias (CCR) e pela AutoBAn, ao custo de R$ 700 mil.

Desde novembro, a caravana vem percorrendo uma cidade por semana, com uma parada de três dias – quinta, sexta e sábado – para as quatro sessões diárias, duas infantis e duas adultas. A idéia é atingir o número de 300 sessões, com um público de 67,5 mil pessoas. No total, são 25 municípios os contemplados pela ótima programação, que já exibiu, entre outros, Lisbela e o prisioneiro, de Guel Arraes, e Castelo Rá-Tim-Bum, de Cao Hamburger. A CCR apurou que as salas de cinema e teatros só começam a aparecer nas cidades com mais de 150 mil habitantes, consolidando-se nos municípios acima de 300 mil habitantes. Cerca de 64% das localidades incluídas no roteiro fazem parte da ala dos sem-tela, caso da pequena Louveira, à 100 quilômetros de São Paulo, com uma população de 30 mil habitantes. Se para a maioria das pessoas dos grandes centros urbanos enfrentar uma fila para um blockbuster é motivo de stress, para os louveirenses a espera da sessão de Castelo Rá-Tim-Bum foi uma festa.

Era para ser mais uma sexta-feira tranquila no município, não fosse o agito provocado pela notícia de que as pessoas teriam a oportunidade de assistir a uma sessão de cinema de graça. Muitos não acreditavam no que estavam vendo. Na casa de Isabel Cristina da Silva, 38 anos, o único assunto comentado durante a semana pelos filhos Anderson, oito anos, e André Luís, 13, era que pela primeira vez eles veriam um filme na tela grande. “Os meninos me encheram a semana toda. Hoje acordaram cedo e vieram me chamar já prontos”, afirma Isabel. No local onde anualmente acontece a Festa da Uva de Louveira, vários ônibus iam chegando lotados de crianças. Para surpresa da equipe de cinco pessoas que trabalha no projeto, muitos dos pais e avós presentes também nunca tinham passado pela experiência. Caso da vendedora Cizineide Maria dos Santos, 25 anos, que trazia os filhos Ewerton, cinco, e Wesley, nove. “Não tenho nem noção de como é um cinema. Aqui, nunca teve um e não posso levar meus filhos a outra cidade para assistir filmes.” Naquela tarde, a televisão de sua casa ficou desligada.