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DESTRUIÇÃO
Bombas de gasolina arrastadas
em Nova Friburgo

O movimento das nuvens ainda é acompanhado com apreensão. Em Nova Friburgo, a cidade mais afetada pelas enchentes que varreram casas e vidas na região serrana do Rio de Janeiro, olhar para o céu em busca de sinais de chuva virou coisa automática. No lugar, antes conhecido pelo ar puro, tornou-se comum o uso de máscaras que ajudam os moradores a respirar melhor, a se proteger do mau cheiro e da poeira que há poucos dias era lama e matou muita gente. Até a sexta-feira 21, tinham sido contados 762 mortos e mais de 400 desaparecidos. Em todos os sete municípios castigados pelo aguaceiro, entre os quais Teresópolis e Petrópolis, sumiram casas, lavouras, fazendas, pontes e ruas. Ainda há lugares sem luz e água, indústrias operam precariamente, hotéis estão fechados e comerciantes tentam recuperar suas instalações para voltar a funcionar. “Mesmo para quem não teve mortes na família a vida depois da enchente vai ser muito dura”, diz Elcio Machado, enquanto tira lama de sua loja de baterias de automóvel, que foi tomada pelas águas. Como recomeçar? Muita gente não consegue imaginar resposta para essa pergunta. “Minha casa foi arrasada, a lavoura onde meu marido trabalhava não existe mais. Não sabemos o que fazer”, diz Tatiana Janício, 19 anos. Por enquanto, Tatiana se concentra em embalar o sono da filha Giovana, de um ano e três meses, alojada numa escola que acolhe desabrigados. Em meio a um cenário desolador, a população ainda está longe de conseguir retomar sua rotina.

Há dificuldades de todo tipo. Em várias farmácias os remédios foram arrastados pelas águas. O fornecimento de combustível é insuficiente, já que alguns postos tiveram as bombas derrubadas. Faltam muitas coisas em muitos lugares. As indústrias de confecções e metalurgia, responsáveis por mais de 50% da geração de renda de Nova Friburgo, operam precariamente. “Alguns dos meus funcionários estão isolados, outros perderam parentes e não têm condições de trabalhar. Estou operando com metade da produção”, diz Nelci Layola, dona da fábrica de lingeries Lucitex. “Não terei como honrar os compromissos deste mês”, prevê. A situação é ainda mais dramática para setores que não se dedicam a atividades essenciais. “Como a prioridade agora são os gêneros de primeira necessidade, não tivemos mais clientes nestes últimos dias”, conta Peterson Pereira, artesão de uma loja de artigos de festa. Comemorações, aliás, não existem na Nova Friburgo dos dias atuais. “Todos os casamentos e batismos que tinha agendado para este mês foram cancelados”, lamenta o fotógrafo Adriano José.

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Tatiana Janício e a filha,
Giovana, em um abrigo

A alegria é artigo escasso, mas a tragédia faz brilhar um comovente espírito de solidariedade. Os postos de doação de sangue bateram recordes históricos de colaboração e a mobilização em favor das vítimas abarrotou de roupas e alimentos vários galpões. “Se não fosse a ajuda das pessoas, não teria como sustentar a família”, diz o pedreiro Jair Farias, 67 anos, ao lado da mulher, Marta, e do filho, Felipe, 7 anos, que estão abrigados em um Ciep. Mas há também um lado escuro que costuma surgir em situações extremas como esta. Proprietários de imóveis de Teresópolis se armam de porretes para evitar que ladrões levem o pouco que resistiu às águas da chuva. Muitos cidadãos que ainda estavam em locais de risco resistiam em se mudar com medo de suas casas serem roubadas. Alguns hotéis que continuaram em pé depois das enchentes testemunharam problemas semelhantes. “No momento da tempestade, hóspedes aproveitaram para saquear quase tudo”, conta Ana Lúcia Barroso Nassif, dona do Vila Verde Hotel. “Levaram bebidas, R$ 7 mil do caixa, laptops.” Um outro hotel, o Shangri-Lá, foi saqueado por moradores vizinhos.

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DESALENTO
Morador carrega botijão de gás

Mais de uma semana após o temporal, friburguenses ainda procuravam cadáveres de parentes sob a lama seca. “Não poderia descansar enquanto não tirasse os corpos”, desabafou o sacoleiro Werner Souza, enquanto ajudava os bombeiros a carregar os corpos dos cunhados Leni e Gilmar, no distrito de Campo do Coelho. A angústia de muitos continua a mesma do dia seguinte à enchente. As listas de mortos e desaparecidos, afixadas à porta do improvisado Instituto Médico Legal da cidade, atrai dezenas de pessoas a cada vez que são atualizadas. “Estamos procurando minha prima, que ninguém sabe onde estava na hora da chuva”, conta Renata Poubel, ao lado do companheiro Marcelo Correa. As histórias de terror se repetem a cada grupo de conversas que se forma pelas esquinas da cidade. Os relatos sobre a maneira como cada um sobreviveu parecem um roteiro coletivo de um interminável filme de terror.

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AJUDA
O pedreiro Jair Farias,
com a mulher e o filho, num
Ciep, agradece pelo apoio

Um passeio pela cidade ainda assombra pelos estragos. Há muitas casas soterradas e destruídas por pedras gigantescas, carros e até caminhões revirados permanecem como se a enchente tivesse acontecido na noite anterior. É tanta coisa por fazer que mesmo a união das três esferas de governo não dá conta do trabalho. A esperança, no entanto, teima em continuar de pé. “Vou tentar resgatar o que resta do salão de beleza da minha mãe”, diz Priscila de Souza, 20 anos, que, ao lado do primo Valdecir, usa a enxada para tirar uma enorme quantidade de lama. “O que tiver em estado razoável vai ser guardado. Vamos abrir o salão em outro lugar.” É essa vontade de recomeçar, tão notável na população, o principal combustível para crer que, se os governos não atrapalharem e a natureza permitir, Nova Friburgo e as outras seis cidades fluminenses vão se reerguer novamente.

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Lista de desaparecidos
(acima) é consultada todos os dias

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