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Em 1917, Marcel Duchamp retirou um urinol de seu lugar de origem, levou-o para seu ateliê, virou-o de ponta-cabeça, assinou-o e intitulou-o “Fonte”. No início, ninguém deu bola. O mictório original desapareceu, mas o mercado de arte acabou solicitando várias réplicas. Com essa operação, Duchamp demonstrou que o gesto do artista pode ser o toque de Midas. Essa e muitas outras histórias estão em “Arte & Dinheiro”, escrito pela dupla Katy Siegel e Paul Mattick, professores e colaboradores da revista “Artforum”. Fazer uma contextualização da presença histórica do dinheiro nas artes, tendo como ponto de partida o surgimento do sistema capitalista e sua influência na criação dos artistas, é o objetivo dos autores.

Siegel e Mattick apresentam uma ampla seleção de trabalhos artísticos, referindo-os a uma série de temas como crédito (valor intrínseco da obra), loja (acúmulo da produção), circulação (mercado de arte) e por aí afora. O ponto de partida é o Renascimento, com as primeiras representações resultantes de uma mentalidade burguesa, em que a ostentação da posse e da aquisição foi retratada por diferentes pintores. Mas grande parte do livro é sobre artistas que usam o próprio dinheiro como material artístico, caso de Cildo Meireles, único brasileiro citado. Alternativas também são apresentadas em criações que contestam o sistema de produção artística dentro do capitalismo. Exemplo é a dupla The Art Guys, citada na categoria “negócios”. Eles ironizam essa situação com a performance “Ternos”. Durante um ano, pediram financiamento para diferentes empresas, sugerindo que, em vez de patrocinarem exposições ou comissionarem obras, lhes dessem o dinheiro em troca de uma propaganda duvidosa. A ação funcionou, e eles costuraram em seus ternos a logomarca de cada empresa que topou o “empreendimento”. “Arte & Dinheiro” é leitura obrigatória, não apenas por suas referências artísticas, mas por apresentar a verdade sobre a arte sem romantismo e como uma opção de sobrevivência ao imperativo capital.