18/01/2011 - 12:19
Uma semana depois da catástrofe que atingiu municípios da região serrana do Rio de Janeiro, o cenário ainda é de guerra em boa parte das áreas afetadas. As cidades, porém, vão se organizando diante da nova realidade. A avaliação é do chefe do Estado Maior e subcomandante do Corpo de Bombeiros, coronel José Paulo Miranda, que acompanha os trabalhos de buscas, resgate e salvamento das vítimas dos deslizamentos.
Ele afirmou que, quando as primeiras equipes iniciaram o socorro, não se tinha a dimensão exata dos estragos. Ele acredita que as horas iniciais dos resgates, quando ainda se tem esperança de encontrar vítimas com vida, foram as mais difíceis.
"O primeiro momento sempre é mais difícil porque não tínhamos ideia do que realmente tinha acontecido. O acesso aos locais de deslizamento era muito difícil, o tempo, ainda chuvoso, também complicou. Mas estamos avançando e diante da dimensão do desastre, a resposta tem sido extremamente positiva", afirmou.
O subcomandante do Corpo de Bombeiros também destacou a integração entre os organismos estaduais, municipais e federais e as Forças Armadas como fundamental para o trabalho. Segundo o coronel, as equipes do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil devem permanecer na região por tempo indeterminado.
O secretário de Comunicação do município, David Massena, destacou que, mesmo depois de uma semana, os resgates continuam sendo o principal foco de atuação. "Não podemos mudar o foco enquanto ainda tiver gente a ser resgatada. Num segundo momento, vamos avaliar os prejuízos econômicos à indústria, ao comércio e ao turismo. Mas por enquanto os esforços estão todos voltados principalmente às buscas, às ações que garantam a dignidade da população", disse.
De acordo com a prefeitura de Nova Friburgo, há cerca de 5,2 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas. Aproximadamente 30 abrigos recebem a população que perdeu suas casas ou que não podem retornar para os imóveis. Com a liberação do tráfego pela RJ-130, que liga Nova Friburgo ao município de Teresópolis, foi possível o acesso a todas as comunidades. Algumas, no entanto, permanecem sem energia elétrica e água. Pelas ruas, os trabalhos de limpeza também são intensos, com o uso de retroescavadeiras. Ainda assim, há lama, muita terra e entulho acumulados.
Chuvas na região serrana
As fortes chuvas que atingiram os municípios da região serrana do Rio nos dias 11 e 12 de janeiro provocaram enchentes e inúmeros deslizamentos de terra. As cidades mais atingidas são Teresópolis, Nova Friburgo, Petrópolis, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), choveu cerca de 300 mm em 24 horas na região.
Nova geografia
Coordenador de engenharia no resgate às vítimas de Nova Friburgo, o presidente da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop), Ícaro Moreno Júnior, diz que as chuvas foram tão devastadoras na cidade que "mudaram o curso dos rios". "A bacia hidrográfica passou a ser outra, e isso altera também o ecossistema. Vamos ter de refazer o desenho dos rios nos mapas e acrescentar ilhas fluviais que nunca existiram. E não há como voltar ao traçado antigo porque muitos dos sobreviventes foram parar nessas ilhas".
Nessa segunda-feira (17) pela manhã, homens do Exército começaram a sobrevoar as áreas atingidas para fotografar a nova geografia das cidades. As imagens captadas serão depois inseridas em um programa de computador, que cria os mapas a partir desses dados. O Exército espera ter esses mapas impressos em no máximo 48 horas. "Os deslizamentos e as enchentes modificaram muito a geografia das cidades, principalmente nas áreas rurais. Isso traz dificuldade para as tropas se localizarem", diz o major Rovian Alexandre Janjar.
Moreno afirma que a área mais atingida da cidade foi o Córrego Dantas, às margens da estrada que liga Nova Friburgo a Teresópolis. Ali, um riacho que tinha 4 metros de largura por 2m de profundidade passou a ter 100m por 8m. Ele nega que tenham ocorrido tremores de terra além dos causados pelos deslizamentos, como acreditam alguns moradores da região.
Desvio de donativos
Dois homens foram presos e um menor foi apreendido na noite dessa segunda suspeitos de desviar donativos destinados às vítimas das chuvas na região serrana do Rio de Janeiro. Um dos presos é motorista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ele usou o caminhão do órgão para transportar os produtos.
O caminhão com as doações foi encontrado em Campo Grande, na zona oeste do Rio. Dois policiais, que estavam de folga, estranharam a ação do trio e decidiram seguir o veículo. Em seguida, os suspeitos foram vistos retirando o material do caminhão e colocando em um furgão.
Ao serem abordados, os suspeitos não ofereceram resistência. O caso foi registrado na 35ª Delegacia de Polícia (DP), de Campo Grande. Os dois homens foram autuados por furto qualificado e abuso de confiança. O menor foi encaminhado para Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).
Pontes provisórias
O Exército começa ainda nesta semana a instalar pontes provisórias para tentar restabelecer os acessos às localidades da região serrana do Rio de Janeiro que ficaram isoladas após as chuvas da semana passada. O município de Bom Jardim, a nordeste de Nova Friburgo, será o primeiro a receber essas estruturas.
A missão vai ao encontro do desejo da presidente Dilma Rousseff (PT) de ver as Forças Armadas atuando na linha de frente das ações no Rio, a exemplo do que ocorreu no Morro do Alemão, em novembro. Preocupada com a desarticulação entre os órgãos do governo, Dilma quer um "maior protagonismo" dos militares, pois conhece a capacidade de organização deles.
As tropas já dispõem de 100 metros de pontes tubulares. Mas depois de sobrevoar a região e conversar com os prefeitos das cidades devastadas, o Exército avaliou que as necessidades eram maiores do que se imaginava e decidiu trazer mais 60 metros de pontes.
A estrutura que será montada em Bom Jardim vai levar de 3 a 4 dias para ser trazida de Cachoeira do Sul (RS) para a serra fluminense. O tempo de instalação varia de 2 a 4 dias, dependendo das condições do clima e do solo. Projetadas para cenários de combates, essas estruturas servem tanto para a travessia de pedestres quanto de veículos – suportam até o peso de caminhões carregados de mantimentos.
Espera de 20 anos
Uma ação civil pública para remover moradias irregulares de uma área de risco em Teresópolis, no Rio de Janeiro, teve início há cerca de 19 anos e até hoje não houve conclusão. O local não foi atingido pela tragédia deste mês, mas a situação ainda preocupa.
Em 1992, havia 30 casas irregulares na área da Rua Mato Grosso. Foi quando o Ministério Público Estadual entrou com a ação para tirar as habitações do local. O processo levou nove anos e foi julgado quando a área já tinha 350 casas, estava asfaltada, com água, luz e telefone. Quem conta a história é a promotora Anaiza Helena Malhardes Miranda, da área de Meio Ambiente e Urbanismo.
Outro passo foi entrar com ações de reintegração de posse para cada uma das casas do topo do morro, separadamente. "Isso já tem uns dois anos que foi feito. No total, quase 20 anos depois, não temos nenhuma casa demolida até agora nem área reflorestada (como determinou o Poder Judiciário)", ressalta a promotora.
Ela se sente "enxugando gelo". "Temos várias situações como essa. O que mostra o descompasso da nossa realidade social, política e judiciária. A burocracia é imensa, não há instrumentos jurídicos ágeis e eficientes e existe uma grande dificuldade orçamentária".
Mortos chegam a 676
A Polícia Civil do Rio de Janeiro divulgou que mais corpos foram encontrados nas cidades de Teresópolis e Nova Friburgo, na região serrana do Estado. O número de mortos chegou a 676, de acordo com o balanço divulgado na manhã desta terça-feira (18).
No total, em Teresópolis foram resgatados 277 corpos e em Nova Friburgo, 319. Nas demais cidades, os números seguem sem alteração. Em Sumidouro, 19 corpos foram resgatados, em Itaipava (distrito de Petrópolis) 56, quatro em São José do Vale do Rio Preto e um em Bom Jardim.
Sistema de alerta
Quinhentas áreas sob risco de deslizamento e 300 ameaçadas por inundações serão o primeiro alvo do Sistema Nacional de Alerta e Prevenção de Desastres Naturais do País, lançado nessa segunda em Brasília. Anunciado como uma nova política para evitar catástrofes, o sistema é, na verdade, uma obrigação internacional já assinada pelo governo Lula há seis anos.
Em 2005, após o tsunami na Ásia, o Brasil e outros 167 países assinaram um acordo em que se previa que, até 2015, todos os governos teriam sistemas de alerta para reduzir riscos de desastres naturais. Passados seis anos, o Brasil praticamente nada fez. Em um documento revelado pelo Jornal Estado de São Paulo nessa segunda e domingo, o próprio governo admitiu à ONU que não tem sistema de alerta, nem destinou recursos para transformar em realidade o acordo do qual é signatário. Para completar, o governo diz que o sistema de Defesa Civil do País está "despreparado". O ano de 2015 é o prazo máximo dado pela ONU para que os sistemas de prevenção e alerta sejam adotados.
Nessa segunda, ao saber que até o fim do governo Dilma Rousseff o Brasil pretende reduzir em 80% o número de vítimas de tragédias nas áreas cobertas pelo novo sistema e fazer cair pela metade o total de vítimas de desastres naturais, a consultora externa da ONU e diretora do Centro para a Pesquisa da Epidemiologia de Desastres, Debarati Guha-Sapir, disse que o prazo de quatro anos é "assustador, surpreendente e triste". "Não entendo a razão de um país levar quatro anos para ter um sistema de alerta em funcionamento. O que a população deve questionar é por que não existia esse sistema antes ou pelo menos quem é que barrou o dinheiro que iria para esses projetos que existem em todo o mundo".
Para Guha-Sapir, o Brasil não pode esperar até 2015 para tomar medidas. "Se medidas concretas não forem tomadas hoje, mais gente poderá morrer. Essa tragédia está se transformando em uma grande vergonha e constrangimento para o governo brasileiro".