Invariavelmente – e irremediavelmente, eu diria – passamos nossas vidas atrelados à infância e aos pais. Em maior ou menor grau de angústia, sofrimento, ansiedade ou quaisquer outros sentimentos, como dependência, saudade, carência, enfim, nós adultos vivemos presos às crianças abandonadas que algum dia todos fomos.

Ontem, em uma de minhas diuturnas (desde que cheguei em NY se tornou hábito) ‘caminhadas filosóficas’ – como as chama minha filhotinha -, me peguei pensando que este é meu primeiro Dia das Crianças órfão, de pai e mãe. Coincidentemente, ou não, a música que tocava no momento era ‘My Father’s Eyes’, do Eric Clapton. E não creio ter sido coincidência, mas sim a causa do pensamento.

Realizei, então, que, até hoje, jamais se passou um único dia da minha vida em que eu não tenha, em algum instante ao menos, ou estado, ou pensado, ou feito algo com ou para meus pais. Naturalmente, até alcançar a independência física (alimentação, proteção, higiene), eu atuava meramente como sujeito passivo na relação parental.

Já pré-adolescente e adolescente, a interação diária se dava sobretudo através da relação hierárquica (respeito, medo, proteção, sustento) estabelecida entre corpos e mentes com necessidades diversas e quase sempre opostas. Mas, ainda assim, aparentemente conflituosa, a convivência era do tipo 24/7; vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana.

Chegado à vida adulta, o equilíbrio entre as ‘dependências’, de lado a lado, aliás, manteve inalterada a rotina do contato, físico ou não, da mesma forma que, após meu próprio pátrio poder, continuei a devotar tempo, cuidado e afeto – bem como demandar o mesmo – numa via de mão-dupla, que se estendeu até o fim da vida deles (primeiro meu pai, depois minha mãe).

Hoje, sem a presença física de ambos – e sem a proteção e o aconchego implícito na relação – continuo com minha rotina de contato diária, agora em pensamento, é claro, onde a saudade e o desamparo se unem em busca das memórias afetivas (conforto) e de fantasias irrealizáveis (presença) que possam me aliviar a dor do crescimento (sim; ainda me encontro em fase de crescimento – você, não?).

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O diabo é que, agora, tenho de enfrentar essa dor sozinho. Não há colo, beijo ou abraço que acalentem o vazio existencial que a orfandade plena me traz. E para tornar meu calvário ainda maior, este Dia das Crianças está sendo sem crianças, ou melhor, sem ‘a’ criança, que também já não é mais tão criança assim – o que apenas aumenta o tamanho dessa encrenca toda.

Mas, para ser bem honesto, há uma criança por perto, sim. Uma que é eterna – como o amor de Vinicius – enquanto dure. É essa aqui, que escreve em busca do colo que jamais terá outra vez. Ainda assim, feliz Dia das Crianças! Para as adultas ou não.


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