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O desfile que revelou Gisele Bündchen (1997) 

Manhã de sexta-feira 7 de janeiro e o casarão imponente da alameda Joaquim Eugênio de Lima, nos Jardins, área nobre de São Paulo, já funciona a todo vapor. Paulo Borges, o nome por trás da principal semana de moda do Brasil e quarta maior do mundo – depois de Paris, Milão e Nova York – comanda uma reunião com funcionários, todos frenéticos por conta dos preparativos de mais uma edição da São Paulo Fashion Week (SPFW), que acontece de 28 de janeiro a 2 de fevereiro, no Prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera. O evento ocorre duas vezes por ano, em janeiro e junho, e lança as principais tendências de moda para as temporadas de primavera-verão e outono-inverno. Na ocasião, um grupo de talentosos estilistas, selecionados a dedo por um conselho de especialistas, apresenta suas criações em desfiles estrelados pelas modelos mais badaladas do planeta, muitas delas brasileiras. Desde a primeira edição, que surgiu em 1996 com o nome de MorumbiFashion (mudou para SPFW em 2001), o enredo se repete. Borges acompanha de perto os mínimos detalhes da produção da festa fashion sem modificar o calmo semblante. E nessa temporada há motivos para se agitar, pois a semana de moda completa 15 anos no dia 28, o que tem atraído ainda mais holofotes. “A SPFW mostrou aos brasileiros que moda é mais que roupa, é comportamento, autoestima, expressão corporal”, diz Borges. “E essa cultura, que começa a existir no Brasil, é a grande responsável pela ascensão desse mercado.”

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Coleção masculina de Alexandre
Herchcovitch (2010)

A moda no País se divide em antes e depois da SPFW. Até o início da década de 90, as grifes lançavam apenas uma coleção por ano, geralmente entre fevereiro e maio. Elas mesmas definiam a data e o local dos desfiles, o início de sua produção e a chegada das peças às lojas. Com a semana de moda organizada, as principais marcas passaram a lançar duas coleções anuais na mesma data e local; no caso, o prédio da Bienal. A mudança aqueceu a cadeia têxtil brasileira, desde a criação e divulgação até a produção e distribuição. O mercado de trabalho se abriu e passou a exigir profissionais especializados. Há 15 anos, dava para contar nos dedos os cursos superiores de moda no País – hoje são cerca de 150. Atualmente, o setor movimenta R$ 50 bilhões por ano. São 30 mil empresas, que empregam dois milhões de pessoas. Na esteira desse crescimento, o Brasil vem se tornando mais competitivo. A editora de moda e empresária têxtil Costanza Pascolato, na primeira fila em todos os desfiles do evento, afirma que, a cada edição, as coleções se tornam mais criativas e relevantes. “Na primeira edição, vi o mesmo vestido em sete passarelas”, lembra ela. “Há alguns anos, isso não acontece, pois adquirimos independência do que é feito no Exterior.”

Outro grande feito da SPFW foi lançar talentos. Formado em 1993 na Faculdade Santa Marcelina, o estilista Alexandre Herchcovitch ganhou notoriedade através de seus desfiles no evento.

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Modelo vestida de papel em
desfile icônico de Jum Nakao (2004).
 

Extremamente criativo, ele vem fazendo história ao levar para a passarela coleções bem construídas, com forte rigor na modelagem, corte e acabamento, embaladas por apresentações ousadas. Atualmente, Herchcovitch, que aprendeu a costurar com a mãe e começou a vender roupas em casa, é responsável pelas coleções da grife que leva seu nome e é diretor criativo da Rosa Chá. Em 1998, começou a exportar e, nove anos depois, abriu a sua primeira loja fora do Brasil, em Tóquio. Atualmente vende em dez países, além do Brasil. “Com a moda e os lançamentos organizados, conseguimos individualmente maior visibilidade fora do País”, avalia Herchcovitch. O estilista mineiro Ronaldo Fraga é outro que desfila desde os primórdios da semana de moda paulistana e é autor dos desfiles mais lúdicos e politizados. “Minha trajetória seria completamente diferente se não fosse o SPFW”, diz Fraga.

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A modelo britânica Naomi
Campbell para a Rosa Chá (2003)

A semana de moda paulistana atinge competência máxima ao projetar modelos brasileiras, que começam como new faces e conquistam o mundo. Gisele Bündchen, a top mais bem paga do planeta, é sua cria mais ilustre. “A ubermodel nasceu aqui”, gaba-se Borges. “Ela era apenas uma garotinha, com cara de menina, que nem imaginava que se tornaria a maior de todas.” Em fevereiro de 1997, Gisele, de vestido vermelho, e gato no colo, abriu o desfile da Zoomp e não parou mais. Além dela, tops como Alessandra Ambrósio, Carol Trentini e Raquel Zimmermann, que brilham nas passarelas, campanhas e editoriais mais poderosos do mundo, deram seus primeiros passos nas passarelas paulistanas. “Meu primeiro desfile foi na SPFW, onde aprendi muito sobre a minha carreira, desde valorizar uma roupa até ter responsabilidade, disciplina e pontualidade”, diz Carol Trentini, que já desfilou em Paris, Milão, Nova York e Londres. E, mesmo depois de consolidar a carreira, elas fazem questão de voltar. “A SPFW não perde em nada para as semanas de moda internacionais”, diz Raquel Zimmermann, considerada a top número 1 do mundo. “Ela ajuda na nossa carreira internacional porque somos vistas.”

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“A SPFW mostrou aos brasileiros que moda é mais
que roupa, é comportamento, autoestima, expressão corporal”
Paulo Borges, organizador do evento

Para a edição de 15 anos, são esperadas presenças de peso. Além da top Alessandra Ambrósio e de Gisele Bündchen, o ator americano Ashton Kutcher estará na passarela da Colcci, e sua mulher, Demi Moore, deve estar na plateia. A modelo transexual brasileira Lea T., filha do ex-jogador da Seleção Brasileira Toninho Cerezo, vai desfilar para Herchcovitch. Borges, no entanto, quer a presidente Dilma Rousseff. Ainda mais agora que transita bem em Brasília – graças a ele e à SPFW, desde o ano passado, a moda é reconhecida como expressão artística e conquistou uma cadeira no Conselho Nacional de Política Cultural. Não se sabe se Borges conseguirá levar Dilma, mas eles se reúnem na semana que vem. Na pauta, medidas para alavancar ainda mais o setor. Além disso, a organização do evento resolveu repaginar o prédio da Bienal. A ambientação terá samambaias nos corredores e luz natural, vinda do parque.

Mesmo com as conquistas, sobram desafios. O principal é evoluir tecnicamente. E, para isso, é preciso mais mão de obra qualificada. “Nossa história é recente, não temos bagagem. E, apesar de produzirmos muito, ainda precisamos aprender corte e costura”, diz Costanza. Graça Cabral, diretora da SPFW, diz que, houve aumento dos cursos de moda, mas faltam profissionais. “As escolas formam estilistas, mas não temos modelistas, costureiras, bordadeiras”, diz. O passo seguinte será evoluir o estilo. Só assim São Paulo pode sonhar em competir de igual para igual com Paris e Milão. Recentemente, a moda brasileira esteve ne apostar no conceitual, que traz credibilidade, num País onde a cultura de moda ainda engatinha, ou investir no que vende de fato. Em 2004, o estilista Jum Nakao levou à passarela modelos com roupas de papel. No final, elas rasgaram as peças, como se falassem “no Brasil, ainda não há espaço para o conceitual”. Foi assim que, inconscientemente, o País optou pelo comercial. “O grande desafio é equilibrar conceito e comércio”, diz Costanza. Desafios lançados, resta aguardar os próximos capítulos. Quem sabe daqui a 15 anos, a SPFW se tornará uma balzaquiana ainda mais poderosa?

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