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ALVO
Gabrielle enfrentava forte oposição no Arizona por apoiar a reforma
no sistema de saúde proposta por Obama
 

Na manhã do sábado 8, uma fila de 30 pessoas se formava para falar com a deputada Gabrielle Giffords em frente a um supermercado na cidade de Tucson, no Estado americano do Arizona. A democrata cumpria sua agenda e promovia o “Congress on Your Corner” (Congresso na sua Esquina, em tradução livre), idealizado por ela com o objetivo de permitir que os eleitores lhe falassem diretamente sobre suas demandas. O ato, no entanto, teve um desfecho trágico: um jovem de 22 anos disparou cerca de 20 tiros contra os civis, deixando seis mortos e 14 feridos – incluindo a deputada, que, após ser alvejada na cabeça, permanece em estado grave em um hospital da cidade. A história, que mais parece uma repetição de tantas outras que insistem em manchar aquela que se intitula “a maior democracia do mundo”, deixou estupefatos os Estados Unidos e acendeu uma discussão inadiável. Entre as perguntas sem resposta a esse tipo de acontecimento está se aquele foi um ato isolado de fúria de alguém desequilibrado ou a consequência da disputa cada vez mais inflamada, menos democrática e irresponsável entre republicanos e democratas.

O autor dos disparos, Jared Lee Loughner, que fora recusado pelo Exército e expulso da faculdade por mau comportamento e uso de drogas, deu pistas da sua personalidade bizarra nas redes sociais. Em vídeos postados no YouTube, não poupou o governo de Barack Obama e em um deles declarou: “Você não precisa aceitar as leis federais. Não confie no atual governo: o governo está fazendo controle da mente e uma lavagem cerebral nas pessoas por meio do controle da gramática.” Na manhã de seu atentado, despediu-se com a seguinte mensagem na sua página do site de relacionamento MySpace: “Caros amigos, por favor, não fiquem furiosos comigo.” Esse comportamento pode encontrar amparo na fogueira ideológica que se tornaram as disputas eleitorais nos EUA nos últimos anos – ainda que isso não justifique o ato.

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ANUNCIADO
Jared Loughner acusava o governo de Obama de fazer
um controle mental da população por meio da gramática

O cientista político americano David Fleischer, da Universidade de Brasília, explica que o momento histórico dos Estados Unidos é complicado e isso pode intensificar atitudes como essa. “O rapaz é instável mentalmente, mas é justamente esse tipo de pessoa que é mais suscetível a se tornar um radical”, diz Fleischer. E um fator que contribui para esse tipo de extremismo é a recessão econômica. “Os Estados Unidos nunca tiveram índice tão alto de desemprego, rondando a casa dos 10%, logo é fácil pegar este descontentamento e atribuí-lo a Obama e a seu governo”, avalia. O clima agressivo da campanha, especialmente das eleições de novembro, contribui ainda mais para um cenário de violência e intolerância. “Durante a disputa eleitoral, foi comum a retórica tóxica”, lembra Fleischer, referindo-se à campanha da extrema direita que usou e abusou de termos como “alvo”, “vamos arrancá-los de lá”, além de fazer uso de um mapa com Estados – alvos na mira de rifles, como exibiu em seu Facebook a ex-governadora do Alasca, Sarah Palin.

O Arizona de Gabrielle Giffords, aliás, constava no mapa que a republicana Palin retirou do ar na segunda-feira 10. A deputada, segundo pessoas ligadas a ela, já se mostrava preocupada com uma possível onda de violência em seu Estado. No seu terceiro mandato, Giffords, 40 anos, venceu nas eleições de novembro de 2010 por apenas dois pontos percentuais o republicano Jesse Kelly, membro do movimento ultraconservador Tea Party. Seu debate foi centrado na imigração – o Arizona é o único Estado americano com leis severas contra imigrantes –, em assuntos militares, pesquisas com células-tronco e energia alternativa. Apesar de ser considerada uma democrata de ideias moderadas, ela já sofreu ameaças por seu posicionamento político. Em março de 2010, logo após a votação da reforma da saúde – que foi aprovada pelo Congresso com o apoio de Giffords –, seu escritório foi alvo de vandalismo.

Embora atentados dessa natureza sejam sempre reprováveis, é importante que o momento leve à reflexão. Analistas são unânimes ao afirmar que é possível que republicanos extremistas baixem o tom e, aos poucos, devolvam o controle do partido aos moderados. É também possível que o presidente Barack Obama recupere a popularidade perdida por suas reformas polêmicas. Obama parece que entendeu o momento, fazendo um bom uso político dos disparos. Em resposta ao atentado, diante de uma nação comovida e inquieta, ele ofereceu o silêncio. Na segunda-feira 10, Obama e sua mulher, Michelle, saíram pela porta sul da Casa Branca e deram alguns passos antes de ficarem parados, com a cabeça baixa e os olhos cerrados, enquanto tocava um sino ao fundo. Depois, se dirigiram para a sua residência sem dar declarações.

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