14/01/2011 - 12:19
Em Nova Friburgo, não há bairro que não mostre marcas de destruição e caos. O editor da sucursal de ISTOÉ no Rio de Janeiro, Francisco Alves Filho, viajou até a cidade para acompanhar o drama dos moradores e o resgate das vítimas e ver de perto a destruição causada pela lama. Clique no player para ouvir o seu relato:
A chuva que voltou a cair na tarde desta sexta-feira (14) na região serrana do Rio de Janeiro deixou os moradores da área assustados. Além disso, as equipes de resgate que trabalham na busca de corpos e sobreviventes estão apreensivas diante da possibilidade de novos deslizamentos ou enchentes. O último balanço da Defesa Civil, atualizado agora à tarde, contabiliza 540 mortos – 246 em Friburgo, 229 em Teresópolis, 41 em Petrópolis, 20 em Sumidouro e 2 em São José do Rio Preto.
Ainda segundo a Defesa Civil, o número de mortos pode ser bem maior, já que há diversas localidades isoladas na região serrana que também foram atingidas por deslizamentos de terra causados por temporais. Essas áreas estão sem energia elétrica, telefone, água e gás.
Mais chuva
Deve chover durante a madrugada de sábado (15) na região serrana do Rio de Janeiro. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), uma frente fria na região favorece a ocorrência de chuvas moderadas a fortes. O tempo ficará nublado durante todo o dia e há possibilidade de pancadas de chuva e trovoadas à noite.
Ainda de acordo com o Inmet, a previsão para sábado é de céu nublado com pancadas de chuva e trovoadas nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Chuvas isoladas devem atingir o Espírito Santo.
Em Minas Gerais, estão previstas chuvas moderadas a fortes em pontos isolados das regiões sudeste, centro, leste e noroeste do estado. De acordo com o último boletim da Defesa Civil de Minas, divulgado nesta sexta-feira, subiu de 70 para 74 o número de municípios que decretaram situação de emergência por causa da chuva.
Em São Paulo, as condições são favoráveis à ocorrência de chuva forte, com trovoadas e rajadas de vento em áreas isoladas do nordeste do estado.
Estradas interditadas
Nove rodovias estaduais continuam interditadas e três funcionam parcialmente na região serrana do Rio de Janeiro. Os problemas são decorrentes das fortes chuvas que caem na região desde terça-feira (11). As informações são do Departamento de Estradas de Rodagem do Rio (DER-RJ), que divulgou no início da tarde de hoje (14) um novo balanço sobre a situação das rodovias estaduais afetadas pelas chuvas.
Na nota, o DER-RJ informa que vem intensificando os trabalhos nas estradas mais atingidas e que medidas emergenciais estão sendo adotadas para restabelecer o tráfego nos acessos à região. A RJ-130, que liga os municípios de Teresópolis e Friburgo, dois dos mais afetados pelas chuvas e onde mais de quatro centenas de pessoas morreram, segue interditada, embora os trabalhos de remoção de barreiras e restauração do pavimento sigam em ritmo acelerado. O DER está abrindo desvios para permitir, ao menos, o tráfego de veículos leves.
A RJ-134, que liga Teresópolis a Petrópolis, continua interditada desde a entrada do município de São José do Vale do Rio Preto, onde as cabeceiras do viaduto que dá acesso à cidade foram destruídas, até o entroncamento com a BR-116, devido a quedas de barreiras.
Já a RJ-163, na altura do quilômetro (km) 20, entre as localidades de Capelinha e Visconde de Mauá, na região do Médio Paraíba, deverá ser liberada ainda nesta sexta. Por medida de segurança, a rodovia está fechada na subida da serra, onde há risco de rolamento de pedras enquanto continuar chovendo na região. As vias alternativas são a RJ-151 e a RJ-161.
Nas rodovias federais, a situação também é complicada. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, do km 62 ao km 65 da BR-040 (Rio-Brasília), entre Teresópolis e Além Paraíba, a pista está interditada ao tráfego. Ainda na BR-040, o trecho entre os kms 43 e 55 está funcionando em meia pista e, na altura do município de Três Rios, entre os kms 33 e 35, a pista está interditada parcialmente por causa de uma erosão aberta pela chuva.
A Polícia Rodoviária Federal também registra problemas na BR-495, perto de Itaipava, distrito de Petrópolis, onde houve queda de barreira na altura do km 20 e a pista encontra-se totalmente interditada.
Doação recorde
Mobilizadas para ajudar as vítimas das chuvas que atingiram municípios da região serrana do Rio, 1.052 pessoas compareceram somente nessa quinta-feira (13) à sede do Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (Hemorio), entre as quais 790 estavam aptas para a doação. De acordo com a diretora da unidade, Clarice Lobo, o volume foi recorde, superando as 500 doações em um dia registradas durante a mobilização pelo surto de dengue no Rio, em 2008. A média diária é de 300 doações.
“Em 66 anos de existência do Hemorio, nunca tivemos um comparecimento tão elevado, com tantas doações. A população está bastante mobilizada e estamos sentindo o abraço do carioca neste momento de luto e de dor, mas também de vitória pelas vidas que estão sendo salvas”, afirmou.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, também participou da campanha e esteve na sede da instituição na manhã desta sexta-feira (14) para doar sangue. Ele disse ter ficado satisfeito com a demonstração de solidariedade da população e fez um apelo para que as doações continuem após o período crítico.
“Fiquei feliz em ver a disposição e a solidariedade que são características do povo brasileiro. A minha vinda aqui é para reforçar esse gesto de solidariedade, para mostrar que não dói, que ninguém passa mal. É importante que a população faça isso periodicamente, independente de tragédias”, disse.
O estudante Guilherme Miranda, de 31 anos, morador de Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, enfrentou a fila de mais de 200 pessoas no fim da manhã desta sexta para fazer sua doação. Ele foi à sede do Hemorio acompanhado de 11 amigos. “Nós todos ficamos muito comovidos com o que aconteceu por lá, então resolvemos nos unir e vir até aqui doar sangue. O que nos motivou foi mesmo o espírito de solidariedade”, afirmou.
O Hemorio recebe doações todos os dias, inclusive em feriados e nos fins de semana, das 7h às 18h. Os doadores devem ter entre 18 e 65 anos, pesar mais de 50 quilos e comparecer à unidade com um documento de identificação oficial. O endereço é Rua Frei Caneca, número 8, centro.
Abastecimento prejudicado
Três dias após as chuvas que provocaram estragos na região serrana do Rio, o abastecimento de água e luz ainda está prejudicado. Para normalizar os serviços, as concessionárias e uma empresa estatal concentram equipes nas cidades de Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis.
O sistema de águas em Teresópolis, de responsabilidade da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), está sendo recuperado mais rápido do que o previsto e o reabastecimento deve ser ampliado para pelo menos 60%, na próxima semana.
"Temos um resultado fantástico diante da catástrofe que foi, há um dia e meio. Mas sabemos que temos muito trabalho pela frente", afirmou Wagner Victer, presidente da Cedae, em relação aos estragos causados pelos deslizamentos e pela falta de energia.
Victer voltou a afirmar que não houve rompimento de barragens ou adutoras que pudesse ter contribuído para a tragédia. "Foi uma tromba d’água, com velocidade superior a 100 quilômetros por hora em alguns momentos, uma massa de água fantástica", explicou.
Desde quarta-feira (12), a Cedae abastece os municípios de Teresópolis, Sumidouro e Bom Jardim com caminhões-pipa e copos de água descartáveis da companhia e de empresas parceiras. As prioridades são os abrigos, hospitais, postos de saúde, delegacias e escolas. A estatal também cedeu caminhões para outros municípios como Nova Friburgo.
A concessionária Águas de Nova Friburgo, responsável pelo abastecimento na cidade, informou nessa quinta que 40% do fornecimento já tinham sido restabelecidos, mas que o principal ponto de captação, no Rio Grande de Cima, ainda estava sem energia, o que atrapalhava a reparação.
No distrito de Itaipava, no município de Petrópolis, onde o abastecimento também está em torno de 40%, a concessionária Águas do Imperador instalou quatro caixas d’água de 15 mil litros próximas a áreas onde o acesso por caminhões-pipa está prejudicado. Para atender os locais prioritários como abrigos, hospitais e delegacias, ambas as concessionárias adotaram o mesmo procedimento da Cedae, com o uso de caminhões-pipas e garrafas de água. Elas pedem que os moradores das cidades atingidas usem a água racionalmente.
Em relação à luz, a concessionária Ampla de energia elétrica informou que instalou geradores junto com a Cedae para restabelecer a estação de captação, em Teresópolis. Outras medidas como a colocação de torres de energia tentam diminuir o problema em pontos das cidades afetadas.
Ministério da Saúde libera verba
O Ministério da Saúde liberou nesta sexta, por meio de portaria publicada no Diário Oficial da União, R$ 8,9 milhões para os municípios de Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, atingida por fortes chuvas nos últimos dias. O dinheiro será destinado ao atendimento de emergência à população, diante da "potencialização de ocorrência de doenças, sobretudo as transmitidas por água, alimentos, vetores, reservatórios e animais peçonhentos". Os recursos, segundo a portaria, ficarão por conta do orçamento do ministério.
Em outra portaria publicada nesta sexta-feira no D.O., a Secretaria Nacional de Defesa Civil, vinculada ao Ministério da Integração Nacional, reconheceu estado de emergência nos municípios de Petrópolis e Nova Friburgo e de calamidade pública em Teresópolis.
Perigo constante
O comandante do Estado-Maior e Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, José Pedro Miranda, diz que ainda existe o risco de novos deslizamentos na região serrana do Estado. "O solo está muito encharcado, choveu muito na região. Há risco de novos deslizamentos, estamos fazendo o monitoramento das áreas", explicou.
Ele afirma que ainda é difícil estimar o número total de mortos na tragédia. As operações de buscas das pessoas ilhadas e de possíveis sobreviventes continuam. "As informações sobre corpos encontrados não param de chegar. O comunicado oficial sobre uma morte só ocorre após a notificação oficial da entrada do corpo em óbito no Instituto Médico Legal", explicou.
Questionado se acredita que ainda haja sobreviventes sob os escombros das casas destruídas, Miranda disse que não perdeu as esperanças. "O tempo é curto, precisamos correr contra ele. Apesar dos obstáculos, acho possível localizar vítimas com vida. Por isso o trabalho precisa ser rápido", disse.