VERSÕES A mostra traz a Gioconda nua e a de bigode, de Duchamp

Na Itália renascentista de 1503, um artista de nome Leonardo retratou uma jovem dama de sorriso enigmático e olhar suave, desejando atingir a perfeição das técnicas que utilizava para dar vida às suas obras. Ele sabia que aplicava ali linhas inovadoras, o que renderia reconhecimento especial de seu talento. Provavelmente, no entanto, não imaginava que aquela imagem se tornaria a mais marcante da história da arte, atravessando séculos e alcançando um patamar em que seu valor é inestimável.

A "Mona Lisa", de Leonardo Da Vinci, ainda hoje é objeto de discussão, admiração e releituras. Uma exposição no Museu Ideale Leonardo Da Vinci, em Vinci, região da Toscana, comprova o fascínio que "La Gioconda" exerce sobre as pessoas. A mostra "Joconde – Da Monna Lisa alla Gioconda Nuda", que vai até 30 de setembro, é dedicada a trabalhos inspirados no quadro. Entre as versões que se destacam está uma da figura feminina com os seios nus, do século XVI, que pertenceu ao cardeal Joseph Fesch, tio de Napoleão Bonaparte.

Uma segunda parte da exposição é dedicada a "Mona Lisa" como fenômeno da cultura pop. O destaque é a versão do artista francês Marcel Duchamp, de 1919, que com um toque de ironia acrescentou bigode e cavanhaque à imagem. Além da exposição, o museu propõe a tarefa nada fácil de catalogar todas as Mona Lisas que surgiram em 500 anos.

Mas, afinal, o que a faz uma celebridade? Antes de tudo, a série de técnicas inovadoras aplicadas por Da Vinci, nas dimensões relativamente pequenas da obra, que marcaram, a partir de então, uma passagem importante das artes (leia quadro). "Foi ainda o que transformou a imagem num modelo referência a ser interpretado por outros artistas", diz o professor André Tavares, da pós-gradução em história da arte da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo

No final do século XVI, Da Vinci foi viver na França. Lá, nesse período, a obra já despertava interesse por sua qualidade artística. "Causou um grande impacto o jogo sutil de luminosidade que confere volume e uma imprecisão à figura", diz Tavares. É o que faz com que a interpretação da expressão de Mona Lisa varie de acordo com o espectador. Para uns, ela sorri. Outros acham que está séria. O retrato frontal era também uma novidade, diferente dos perfis baseados nos medalhões romanos, comuns às imagens da época.

As muitas histórias em torno de "Mona Lisa" criaram uma aura de obra significativa na memória coletiva. O caso que deu início às especulações aconteceu em 1911, quando o italiano Vicenzo Perugia, guarda do Museu do Louvre, em Paris, roubou o quadro alegando que se tratava de uma preciosidade de seu país. Recuperada dois anos depois, a obra voltou ao Louvre, seu lar desde 1797. "Ela ganhou um status midiático com esse evento", conta o historiador da arte Denis Molino, do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp). Foi, porém, o dadaísta Duchamp, com sua versão de Mona Lisa de bigode e cavanhaque, quem chamou a atenção de vez para "La Gioconda".

A partir da década de 50, a pop art começou a lançar produtos de consumo inspirados em ícones culturais. "A ideia dos enigmas também ganha significado. O que não está explicado causa interesse", diz Molino. Por isso, o questionamento sobre quem é e em qual situação está a dama no retrato chama a atenção de especialistas e pessoas comuns.

Graças ao marketing em torno das incertezas, Mona Lisa se transformou em uma das imagens mais reproduzidas na sociedade contemporânea. Ela está estampada em camisetas, louças, calendários, ímãs de geladeira. Ao mesmo tempo, milhares de artistas, no mundo todo, deram início a suas próprias releituras. Inclusive brasileiros. Na exposição do artista plástico Vick Muniz, em cartaz no Masp, Mona Lisa é retratada com pasta de amendoim e geleia.

A artista plástica Anna Bella Geiger posou ela mesma de Gioconda na mostra "Fotografia além da Fotografia (1972-2008)", que reúne trabalhos de sua carreira e é apresentada na Caixa Cultural de São Paulo. A foto de Anna Bella em posição igual à da musa de Da Vinci tem como fundo uma favela do Rio de Janeiro. "Reproduzir essa imagem é se inspirar numa figura eterna que atravessa o tempo", diz a artista. Mona Lisa já não é nem antiga nem moderna. É tão encantadora e misteriosa que se tornou atemporal.