Em 2002, as atenções dos brasileiros estarão divididas entre dois grandes eventos: eleições e Copa do Mundo. Escolha de um novo presidente é, como sempre, algo decisivo para o futuro do País. Mas por aqui, juízo de valor à parte, é muito pouco provável que o desempenho de Lula, José Serra, Ciro Gomes e Roseana Sarney nas urnas desperte mais interesse que o de Roberto Carlos, Cafu, Rivaldo e, possivelmente, da dupla Ronaldinho, o nove, e Romário, o onze, nos gramados da Coréia do Sul e do Japão. Os responsáveis pela primeira Copa do Mundo montada na Ásia e dividida entre dois países prometem um imenso show de bola, com muita organização, fartura de recursos tecnológicos, lances de marketing e até algumas pirotecnias. Na primeira fase, a Seleção ficará hospedada em Ulsan, no sudeste da Coréia do Sul, quartel-general da fábrica de automóveis Hyundai. O hotel, batizado com o nome da montadora, abrigou o time em maio passado para a disputa do terceiro lugar da Copa das Confederações. A Seleção perdeu por 1 a 0 para a Austrália. Na Copa 2002, o Brasil enfrentará a Turquia no dia 3 de junho, a China no dia 8 e a Costa Rica no dia 13. Os turcos deverão ser os adversários mais difíceis. Os chineses contarão com forte apoio de seus compatriotas no estádio. Antes do embarque, provavelmente em 16 de maio, os comandados de Luiz Felipe Scolari farão cinco amistosos nos dias 31 de janeiro, 6 de fevereiro, 27 de março, 14 e 17 de abril. Portugal e Espanha deverão estar entre os adversários.

Os 64 jogos foram divididos entre os dois países. Cada um investiu US$ 1,5 bilhão para reformar e construir 20 estádios, metade em cada lado. Outro US$ 1 bilhão foi consumido em publicidade, promoções e na montagem de instalações. A empresa alemã Kirch pagou US$ 1,8 bilhão pelos direitos de transmissão dos jogos deste ano e da Copa de 2006, na Alemanha. Somente com a venda de produtos licenciados, os dois comitês esperam arrecadar US$ 1,2 bilhão. “Será a Copa mais cara e, tudo indica, a mais bem organizada da história”, acredita o presidente da Fifa, o suíço Joseph “Sepp” Blatter. “Vou me recuperar e estar em forma para ajudar o Brasil a ser penta. Pretendo disputar ainda mais duas”, afirma Ronaldinho, de volta aos gramados após duas cirurgias no joelho. O jogador da Inter de Milão é a principal esperança de Scolari.
 

A França, atual campeã, e o Senegal, uma das quatro estreantes em Copa farão a primeira partida às 20h de 31 de maio (8h de 1º de junho pelo horário de Brasília) no Seoul Sangam World Cup Stadium. O exótico estádio é o maior da Ásia dedicado exclusivamente ao futebol. Inaugurado em dezembro, custou US$ 153 milhões. Abriga 61.745 pessoas sentadas, 2.100 jornalistas, 832 vagas VIP e 75 camarotes, cada um com 12 a 29 assentos. Além da estréia, será palco de mais dois jogos.

Os estádios formam o capítulo mais interessante do projeto. O Yokohama International Stadium, a 29 quilômetros de Tóquio, sede da final no dia 30 de junho, foi aberto em outubro de 1997, mas as reformas o transformaram num show à parte. É uma arena polivalente, capaz de abrigar disputas de quase todas as modalidades. Tem capacidade para 70.366 pessoas e sete coberturas de aço que protegem 75% dos espectadores. A infra-estrutura para transmissões de tevê, considerada uma das mais eficientes do mundo, permite o registro de imagens impressionantes em qualquer ponto do campo. Equipamentos de manutenção do gramado captam água da chuva.

Os palcos das três primeiras partidas do Brasil no Grupo C não ficam atrás. O Ulsan World Cup Stadium, local da estréia contra os turcos, no dia 3 de junho, tem um revolucionário sistema de sustentação sem colunas aparentes, para não prejudicar a visão dos torcedores. Custou US$ 193 milhões. No estádio da ilha vulcânica de Seogwipo, no extremo sul do país, o Brasil jogará sua segunda partida, em 8 de junho, contra a China. A cobertura tem a forma de uma vela de barco e a entrada principal lembra os portões das residências tradicionais coreanas. Uma leveza arquitetônica idealizada para se misturar ao belíssimo entorno do lugar, considerado uma espécie de Havaí da Ásia. O de Suwon, onde a Seleção enfrentará a Costa Rica no dia 13 de junho, também consumiu US$ 193 milhões. Pode receber 43.138 espectadores e tem um par de coberturas que imita as asas abertas de uma ave.

Mas nada supera em ousadia o Gavetão. O apelido foi dado ao revolucionário Sapporo Dome, hoje o estádio mais moderno do mundo, erguido em Sapporo, capital da ilha de Hokkaido, ao norte do Japão, com 1,8 milhão de habitantes. Nem uma criança no auge de suas fantasias seria capaz de conceber algo como o Gavetão de Sapporo. O estádio, com 42.122 lugares e 1.700 vagas para carros, é coberto por uma gigantesca concha. A novidade, que parece ter saído de um roteiro de Hollywood, é um sistema capaz de fazer o gramado sair do estádio para tomar sol ou água da chuva. Isso mesmo. A base onde está instalado o gramado, de 8,3 mil toneladas, o equivalente a 10,3 mil carros Uno ou a 30 Boeings 747, é retrátil. Basta apertar alguns botões e a estrutura começa a deixar o estádio através de uma imensa passagem construída atrás de um dos gols. No “estacionamento” aberto para o contato com a natureza, o campo pode girar em busca de um lugar ao sol mais confortável. Cada passeio de ida ou volta consome quatro horas e dez minutos. Mas o negócio é imenso e, além disso, as jornadas ao ar livre farão muito bem ao campo, que será usado também em partidas de beisebol, principal esporte do Japão. O brinquedo caro – US$ 465 milhões – será usado na Copa em apenas três jogos. Pelo menos um deles promete: o confronto entre Argentina e Inglaterra, no dia 7 de junho, pelo grupo F.
 

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A Fifa chegou a temer pelo cancelamento da Copa em 2001, depois da falência da ISL, a agência responsável pelos principais contratos da entidade e da organização do torneio. Mas os comitês se recuperaram, graças a uma agressiva campanha de marketing com o lançamento barulhento de cartazes, logotipos e a exploração de mais de 300 produtos vinculados às imagens dos três extraterrestres mascotes da competição: o azul Nik, o roxo Kaz e o amarelo Ato. Com esses produtos, esperam arrecadar US$ 1,2 bilhão. A audiência acumulada deverá ser de 41 bilhões de telespectadores, contra 32 bilhões da Copa dos Estados Unidos, em 1994, e 37 bilhões do Mundial da França, em 1998.

Especialistas europeus acreditam que a Fifa vendeu os direitos de transmissão para internet, tevê e rádio por um preço absurdo. Por isso, as atuais empresas controladoras repassam o produto a peso de ouro. Com isso, Portugal, México, Argentina e países sul-americanos estão enfrentando problemas para oferecer os jogos ao público. Os argentinos, por exemplo, deverão ter apenas os jogos de sua seleção na tevê aberta. No Brasil, a Rede Globo pagou US$ 220 milhões pelo pacote de exclusividade que inclui tevês aberta e fechada, rádio e internet. Chegou a pedir US$ 75 milhões para dividir os direitos com as concorrentes. Baixou o preço para US$ 60 milhões e, mesmo assim, não encontrou comprador. Assessores da Rede Record, que era a principal interessada, afirmam que a emissora desistiu do negócio. O mercado publicitário calcula que US$ 35 milhões seria um preço justo, mas, em conversas informais, diretores dos outros canais têm questionado se vale a pena desembolsar uma fortuna para concorrer com a estrutura e a tradição global em jogos transmitidos no início da manhã e até no meio da madrugada, por causa do fuso horário de 12 horas. A emissora carioca está negociando as primeiras cotas de patrocínio. Cada uma sai por R$ 35 milhões.

A relação entre Coréia do Sul e Japão é marcada por conflitos. Os japoneses anexaram o vizinho em 1910. Só deixaram o país em 1945, expulsos pelos aliados no final da Segunda Guerra. A guerra fria dividiu a península em dois Estados: o do Sul, capitalista, e o do Norte, comunista. No caso da Copa, sul-coreanos e japoneses começaram a trocar farpas assim que a Fifa decidiu que a bola seria dividida. No início, a Coréia do Sul reclamou que o material de divulgação dos japoneses trazia a inscrição “Copa 2002/Japão-Coréia”. O combinado era colocar Coréia do Sul em primeiro lugar. O problema foi solucionado. Em agosto passado, uma visita do primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi, a um templo dedicado a combatentes e criminosos de guerra japoneses despertou a ira de autoridades sul-coreanas e chinesas.

A resposta veio no mesmo tom. O imperador Akihito, do Japão, decidiu que não irá à cerimônia de abertura da Copa na Coréia, dia 31 de maio. Os coreanos enfrentaram outra saia-justa quando o presidente da Fifa, Joseph Blatter, enviou uma carta à Federação Sul-coreana de Futebol exigindo “medidas imediatas” para acabar com o abate de cães. O consumo de carne canina é um hábito secular de chineses e sul-coreanos. Com o apoio da China, a Coréia do Sul reagiu. “Essa questão, parte da cultura de um país, não diz respeito à Fifa”, rebateu o presidente da Federação Sul-coreana de Futebol, Chung Mong-Joog. Numa atitude de aproximação, o governo japonês anunciou, no primeiro dia de 2002, que o prazo de permanência dado aos sul-coreanos em visita ao Japão passou de 15 para 90 dias. A menos de seis meses do pontapé inicial, sul-coreanos e japoneses concordam em pelo menos um ponto: o melhor, a essa altura do campeonato, é guardar energia para ser usada dentro de campo.


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