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Dá-lhe Luxa: ele cumprimenta seus jogadores após a vitória contra a Real Sociedad. Sonho realizado, o técnico quer vôos mais altos

Foram quase oito minutos alucinantes de bola rolando no complemento da partida entre Real Madrid e Real Sociedad, disputada na quarta-feira 5, no estádio Santiago Bernabéu, em Madri. Pouco para um jogo de futebol. Mas muito para a história recente do futebol brasileiro. Nestes 452 segundos, o treinador Vanderlei Luxemburgo se tornou o primeiro brasileiro a dirigir o mítico e galáctico Real Madrid, eleito pela Fifa o melhor time de futebol do século XX. O polêmico, controverso e competente técnico teve um debut de gala. O esquadrão merengue venceu por 2 a 1, com o gol da vitória marcado pelo craque francês Zinedine Zidane, convertendo um pênalti sofrido pelo fenômeno Ronaldo. Mas o resultado da partida e os atentados que vem cometendo contra o idioma de Miguel de Cervantes têm pequena importância diante da façanha. Não é que o Madureira, apelido dado pelo seu ex-sócio, Elias Ferreira de Souza, dono do bar do Elias, tradicional reduto futebolístico da capital paulista, chegou lá!

Dirigir um grande time na Europa era sonho antigo do ex-técnico da Seleção Brasileira, demitido após uma série de escândalos e o fracasso na Olimpíada de Sydney, em 2000. Três anos antes, em 1997, esteve bem perto do Velho Continente. Chegou a assinar um pré-contrato com o La Coruña, também da Espanha. Mas na época o Corinthians, que tinha uma parceria com o Banco Excel-Econômico, ofereceu mais e Luxemburgo resolveu ficar. Desta vez o desejo de vencer no mercado mais valorizado do futebol, e o convite de um dos clubes mais poderosos do mundo, fizeram com que não pensasse meia vez para deixar o Santos, seu último clube, pelo qual conquistou o título brasileiro de 2004. O salto europeu vinha sendo planejado há tempos. Na metade do ano passado o treinador contratou os serviços do empresário Marcel Figger, filho de Juan Figger, velha raposa do mundo dos negócios da bola. Figger tratou de apresentar o vitorioso currículo de sucessos domésticos do técnico aos manda-chuvas do futebol europeu. Com bom trânsito no Real Madrid, o empresário conseguiu convencer o presidente Florentino Pérez a apostar no trabalho do desconocido Luxemburgo. Pela nova função, o comandante receberá três milhões de euros por um ano e meio de contrato, quase R$ 11 milhões. Além de um Audi e uma casa. Tudo pago pelo clube.

Na luta para realizar seu sonho, Vanderlei Luxemburgo teria recebido o auxílio de um importante aliado. Apesar da negativa de ambos, o lateral-esquerdo do Real e da Seleção Brasileira Roberto Carlos seria um dos avalistas da contratação do técnico. O jogador, que já havia trabalhado com Luxemburgo no Palmeiras, teria usado sua influência para ajudar a convencer o presidente Pérez a contratá-lo. O lateral tinha problemas de relacionamento com o ex-comandante do Real, o demitido Mariano Gárcia Remón. Descontente com o tratamento que vinha recebendo – foi parar até no banco de reservas –, Roberto ameaçou deixar o clube. O boato foi desmentido pelo próprio jogador. Apesar da possível mãozinha do lateral, Vanderlei se apressou em dizer que ele e Ronaldo não terão nenhum tipo de privilégio. “Eles são brasileiros e meus amigos. Mas o tratamento deles será igual ao dos outros”, disse em entrevista ao diário esportivo Marca.

Privilégio quem não teve mesmo foi o inglês David Beckham. O bonitão foi o primeiro a sentir o dedo de Luxemburgo. Por chegar atrasado, foi obrigado a correr sozinho num dos campos do Centro de Treinamento do clube. Outro que vem sofrendo é Ronaldo. O Fenômeno tem reconhecida aversão a trabalhos mais forçados. Luxemburgo, que o treinou na Seleção, sabe disso. Como sabe também que, para render tudo o que pode, Ronaldo precisa estar na ponta dos cascos. O resultado é que o atacante vem sendo um dos mais exigidos no elenco. Num treino pesado, teve dificuldade para correr 3,5 quilômetros. “Conosco o Ronaldo e sei que não gosta mucho de trabajar la parte física. Mas terá que hacelo”, disse em seu sofrível portunhol. Por falar nisso, o técnico vem judiando do idioma. Mas as gafes e as falhas de comunicação parecem não tirá-lo do sério. “Isso não me interessa. Em seis meses estarei falando espanhol. Não sou burro.”

É verdade. Vanderlei pode ser tudo, menos burro. E é pelo excesso de esperteza que costuma se encrencar. Brilhante dentro de campo, fora dele o técnico se meteu em vários rolos. O mais conhecido deles com a Receita Federal. Condenado, costuma dizer que tudo já foi resolvido. Não é bem o que seus desafetos dizem. Até com o nome e a certidão de nascimento teve problemas. Adulterou o documento e em consequência perdeu o W e o Y, um duro golpe na reconhecida vaidade, e ganhou três anos a mais de idade. Dono de ternos bem cortados e de uma capacidade rara para comandar um time de futebol, Vanderlei tem tudo para dar um jeito no temperamental e milionário Real Madrid. Mas nesse jogo a arrogância e a prepotência não podem entrar em campo. Senão…