Eternizados em praças, ruas e outros logradouros públicos, monolíticos heróis nacionais e suas batalhas foram implodidos pelas palavras cruas, mas nunca sérias, do jornalista carioca Leandro Fortes, que estréia na ficção com Fragmentos da grande guerra (Record, 254 págs., R$ 29,90). Fortes transforma a história de papel numa fábula de sangue e pólvora, em que a Guerra do Paraguai (1864-1870) é desculpa para jogar luzes sobre personagens anônimos e falar de outras guerras. O livro aponta suas páginas para a rotina de um conflito sujo. Mais sangrento episódio da América do Sul no século XIX, a Guerra do Paraguai durou seis anos, dizimou 75% dos homens paraguaios e foi vencida com a ajuda de uma legião de meninos escravos, os Voluntários da Pátria, jogados nos campos de batalha para defender uma Coroa em frangalhos. Custou a vida de 30 mil brasileiros, enterrados no purgatório da história.

Quem começa a desencavar estes corpos é o general Fernão Abrantes do Nascimento – personagem fictício de um mundo que mistura eventos, batalhas e comandantes bem reais. Em 1869, homenageado com uma medalha, o general sobe à tribuna do Senado Imperial para um longo discurso, que permeará toda a obra. Assistido por uma platéia de senadores e 137 soldados sob o seu comando, ele enlouquece “a cada pausa da respiração”, sitiando seus ouvintes e obrigando-os a uma expiação coletiva. Com uma argamassa que mistura realidade e ficção, o livro encaixa tijolos na construção desse capítulo da vida nacional. Faz pensar que guerra é guerra, seja nos “pântanos do demônio” do Paraguai, lutada com mosquetões e espadas, seja nos desertos movediços do Iraque, com mísseis táticos e bombas inteligentes. Só mudam nomes, datas e cenários.