Os tempos de golpes militares na América Latina, que tiveram seu auge na Guerra Fria, parecem ter chegado ao fim. Uma reação internacional sem precedentes se seguiu à manobra militar que retirou do poder o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, e o desembarcou à força no aeroporto de San José, na Costa Rica, na semana passada.

Como se integrassem um bloco aliado, o americano Barack Obama, o cubano Raúl Castro e o venezuelano Hugo Chávez se destacaram entre os primeiros chefes de Estado a classificar a operação de golpe e a anunciar que, para eles, Zelaya continuava a ser o presidente hondurenho. Os vizinhos Guatemala, Nicarágua e El Salvador fecharam de imediato suas fronteiras com Honduras. Ao final de uma maratona que incluiu passagem por quatro países – Costa Rica, Nicarágua, Estados Unidos e Panamá – em seis dias, Zelaya se tornou uma unanimidade no cenário internacional.

Sem apoio Nenhum país reconheceu o novo governo, que enfrentou manifestantes nas ruas

Por onde passava, o hondurenho repetia um enredo que parecia tirado de filme: acordou com o barulho de tiros às 5h30 do domingo 28 de junho, na residência da família na capital Tegucigalpa, onde também se encontrava sua filha Hortensia. "Meus guarda-costas haviam sido amarrados", relatou Zelaya.

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"Fui ameaçado com fuzis apontados contra meu rosto e meu peito, por agentes mascarados." Rendido quando corria em direção ao quarto da filha, ele ainda tentou pedir ajuda pelo celular, mas o aparelho acabou tomado por soldados. Empurrado para dentro de uma van, foi embarcado em seguida em um avião da Força Aérea de Honduras e levado para a Costa Rica, onde chegou de pijama.

No conflito que culminou com a sua deposição, Zelaya tem contra si as elites hondurenhas, o Congresso, o Judiciário e as Forças Armadas, que ocuparam as ruas do país. Para seu posto foi designado o presidente do Congresso, Roberto Micheletti, que também integra os quadros do Partido Liberal. Em 2005, os dois disputaram a indicação interna para concorrer à Presidência.

Quatro anos depois, para assumir o cargo que planejara conquistar pelas urnas, Micheletti precisou entrar pela porta dos fundos do palácio presidencial. Protegida até por carros de combate, a frente do edifício havia virado alvo de manifestações contra o golpe. Não demorou, porém, para o novo governo impor toque de recolher e, três dias depois, suspender garantias individuais, como a inviolabilidade de domicílio e o direito de reunião. Ao mesmo tempo, tratou de promover manifestações de apoio à nova ordem e de ensaiar um descaso às ameaças internacionais de sanções. Não estamos negociando a soberania nacional", afirmou Micheletti.

Para Micheletti e seus aliados, Zelaya precisa ser responsabilizado por 18 crimes, a começar por traição à pátria, por ter insistido em realizar no domingo 28 de junho um referendo popular considerado ilegal pela Corte Suprema e pelo Congresso. "A consulta popular visava a mudanças constitucionais para possibilitar a reeleição presidencial", lembra Pio Penna Filho, do Instituto de Relações Internacionais da USP. "Uma das fontes de inspiração de Zelaya era Hugo Chávez." Eleito em 2005 com uma plataforma de centro-direita, o presidente deposto aproximouse gradativamente de Chávez, que só no ano passado forneceu-lhe ajuda de US$ 300 milhões, além de combustível subsidiado. Com 7,8 milhões de habitantes, Honduras tem economia baseada na agricultura, principalmente na exportação de café e banana.

A quartelada que conduziu Micheletti ao poder fragilizou ainda mais a situação do país. Créditos internacionais foram congelados, projetos suspensos e a maioria dos países determinou a saída de seus embaixadores. Com o apoio logístico do Brasil, o secretáriogeral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, desembarcou na sexta-feira 3 em Tegucigalpa com a missão de preparar a recondução de Zelaya à Presidência.

Embora o governo Micheletti continuasse a anunciar que pre nderia Zelaya caso ele voltasse ao país, analistas internacionais apostavam numa saída negociada para o impasse. Afinal, o último golpe de Estado bem-sucedido na América Latina ocorreu em 1992, quando, com o apoio das Forças Armadas, o peruano Alberto Fujimori fechou o Congresso e suspendeu as garantias constitucionais.

 


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