O verbo francês réveiller significa “acordar”, “despertar”. A passagem de ano (não por acaso “Réveillon”) simboliza esse despertar – o fim de um ciclo e o início de um novo. Quando os romanos, baseados na astronomia, criaram o calendário tal como o conhecemos hoje, com a divisão do ano em 12 meses e 365 dias, talvez não tivessem isso em mente, mas é certo que a virada de ano –  a ideia de “reiniciar” a vida – tem grande efeito psicológico sobre os humanos, pois sugere renovação e recarga de bateria, imprescindíveis à aventura de viver. Não é à toa que tantas pessoas fazem, nesse momento de transição, novos planos e metas e estabelecem as tais “resoluções de Ano-Novo”, resoluções essas que quase nunca são levadas a cabo.

Há um poema de Drummond que é citado à exaustão nos fins de ano, em e-mails, cartas, cartões e festas de confraternização, que fala exatamente disso, de como é “estratégica” a passagem de ano. Diz o poeta: “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos”…
Poemas e canções sobre a data existem às dezenas. A mais clássica dentre as canções diz: “Adeus ano velho, feliz Ano Novo, que tudo se realize no ano que vai nascer, muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender.” Bem, entusiasmos de dezembro à parte, eu diria que é impossível que num curto prazo de 12 meses, “tudo” se realize. Seria pedir demais ao destino. Já “dinheiro no bolso” e “saúde pra dar e vender”, pode-se dizer que são pedidos pra lá de legítimos e palpáveis.

Outro clássico de fim de ano são as previsões de pais-de-santo, videntes e bruxos em programas de tevê. Previsões óbvias ou vagas – “no próximo ano morrerá um político de vulto” ou “um artista muito famoso sofrerá um grave acidente” – fazem a delícia do povo. Confesso que eu próprio adoro ouvir essas profecias televisivas, na esperança vã de que algo realmente inusitado se revele ou por mera (talvez mórbida) curiosidade somente.

Nas praias brasileiras, a festa de Réveillon ganha ares de ritual pagão, com fogos, bebedeiras, ritos afro, promessas e mandingas. A festa de Copacabana, no início restrita aos praticantes de candomblé que se reuniam para celebrar a chegada do ano com preces e danças, com o tempo foi-se tornando mais e mais concorrida e hoje é quase uma instituição brasileira, chamariz para turistas do mundo inteiro em busca de diversão, loucura e beleza.

Taí um bom brinde para o novo ano. Desejo aos brasileiros diversão, loucura e beleza neste 2011 que ora se anuncia no horizonte, além dos itens básicos dinheiro e saúde, claro. Um pouco menos de pressa e dispersão e um pouco mais de gentileza e atenção não seria pedir demais, imagino eu. Portanto, bom desfrute, vida longa e próspera! Pra encerrar (ou recomeçar), um belo verso de outro poema do mesmo Drummond: “É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.”

Tintim!