Ex-professor do presidente do Banco Central nos EUA, americano diz que pouca coisa mudará na política monetária brasileira

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CORTES
Para Baer, os juros só cairão no Brasil se
o governo conseguir enxugar a máquina pública
  

O brasilianista americano Werner Baer ganhou prestígio internacional pela importante contribuição que deu aos estudos sobre o desenvolvimento brasileiro. Professor na Universidade de Illinois, com Ph.D. em economia por Harvard, teve papel fundamental na estruturação do Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, onde lecionou na década de 70. Deu aulas também na PUC, na FGV e colaborou com pesquisas no Ipea e no IBGE. Há dois anos, lançou a sexta edição de seu famoso livro “The Brazilian Economy, Growth and Development”. Baer criou uma bolsa para latino-americanos na faculdade de Illinois, que é patrocinada pelo empresário Jorge Paulo Lemann. Um dos agraciados, ainda nos anos 80, foi o economista Alexandre Tombini, da UnB, que a partir do dia 2 de janeiro assumirá a presidência do Banco Central. “Tombini tornou-se um dos melhores alunos do doutorado”, afirma o professor. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, Werner Baer diz que está confiante no futuro governo e sugere medidas para o crescimento sustentado do Brasil. “É preciso enxugar a máquina, investir em infraestrutura e promover uma reforma profunda na educação”, afirma, em sintonia fina com as prioridades traçadas pela presidente eleita, Dilma Rousseff.

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"O Tombini foi um ótimo aluno. Sempre foi
muito disciplinado, equilibrado e com uma discrição muito grande”

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“O Brasil precisa aumentar o volume de investimentos, especialmente na
infraestrutura de transporte e energia para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016"

 

ISTOÉ

O sr. é um desenvolvimentista e foi professor do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. O que o sr. espera dele à frente do BC? Ele vai reduzir os juros?

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Werner Baer

Devo dizer que sou muito mais desenvolvimentista que ele (risos). O Tombini é muito sério e pragmático, e deve seguir a linha do Henrique Meirelles. Ora, é preciso reduzir os juros para desestimular o capital de curto prazo, que não ajuda o desenvolvimento, valoriza o real e prejudica as exportações. Ao mesmo tempo, a inflação está aumentando um pouco, o que pressiona a manutenção das taxas. Então, o jeito é reduzir aos poucos e taxar o capital especulativo, como o governo já vem fazendo. Também será preciso controlar o lado fiscal. O governo precisa gastar muito mais em infraestrutura, mas não pode perder o controle sobre o déficit. Por isso, deve cortar despesas correntes desnecessárias.

ISTOÉ

O Tombini era bom aluno?

Werner Baer

Fui um dos quatro orientadores dele. Lembro que o comitê de orientação elogiou muito a tese dele sobre o efeito do mercado financeiro nas crises de produção no Brasil nas décadas de 70 e 80. Foi um ótimo aluno, um dos melhores da turma dele de doutorado. Sempre foi muito disciplinado, equilibrado e sincero. Um líder natural, mas com uma discrição muito grande. É sem dúvida um excelente economista, consistente e fiel.

ISTOÉ

Como foi a ida dele para Illinois?

Werner Baer

Estive no Brasil no final da década de 80, acho que em 1986. Eu visitava as faculdades, dava uma explicação sobre nosso programa e incentivava os alunos a se candidatar às bolsas. Eu não escolhia, mas recomendava. Além do Tombini, estudaram conosco o Alexandre Rands, professor e irmão do deputado Maurício Rands. O Bernardo Mueller, da UnB, o Eduardo Haddad e o Joaquim Guilhoto, ambos da USP.

ISTOÉ


Então nossa política monetária está em boas mãos? O BC manterá sua autonomia?

Werner Baer

Sem dúvida. E não sou o único a falar bem do Tombini. O Armínio Fraga, que também presidiu o Banco Central no governo Fernando Henrique, também lhe tem em alta consideração.

ISTOÉ

A última edição do seu livro sobre o desenvolvimento econômico brasileiro é de 2008. Com o Tombini no BC, o sr. pensa em atualizá-lo?

Werner Baer

Vou esperar um pouco para ver o que acontece no governo Dilma para atualizá-lo.

ISTOÉ

O sr. também foi professor do presidente do Equador, Rafael Correa. Surpreende que ele tenha expulsado empresas estrangeiras como a Petrobras?

Werner Baer

O Rafael Correa também estudou conosco. Mas ele tem sido mal interpretado, pois acho que em geral ele acredita no sistema de mercado e na propriedade privada. Sei que a Chevron foi expulsa porque provocou um desastre ambiental. Mas ele não é o Chávez, e é muito católico, inclusive. Tivemos outros alunos em Illinois, como o atual presidente do BC da Colômbia, José Dario Uribe Escobar. Ele foi da turma do Tombini. Assim como o presidente do BC do Paraguai, Jorge Corvalán.

ISTOÉ


E o que caracteriza essa geração?

Werner Baer

São pessoas muito preparadas, versadas nas teorias econômicas modernas e grandes estudiosos empíricos. Usam a econometria de uma maneira muito produtiva. Também têm um conhecimento técnico muito alto e são realistas, pragmáticos, não ideológicos.

ISTOÉ

Esse pragmatismo sugere a necessidade de um ajuste fiscal e do enxugamento da máquina?

Werner Baer

Certamente, o governo terá que aumentar sua eficiência e eliminar despesas desnecessárias. É preciso enxugar a máquina. Por isso é tão interessante ter ao lado de Dilma uma pessoa como Palocci, que já demonstrou o talento para reorganizar as contas e direcionar o dinheiro para investimentos. Há muitas despesas correntes desnecessárias. É preciso realocar os recursos.

ISTOÉ

Pode dar algum exemplo?

Werner Baer

Não quero interferir, mas naturalmente sabemos da pressão dos partidos políticos por cargos na máquina. Isso é natural em qualquer democracia, inclusive aqui nos EUA. Mas essa lógica tem de ser ponderada pela necessidade de investimentos, cada vez mais urgente. É um desafio político que precisa ser enfrentado.

ISTOÉ

Que áreas devem ter prioridade nos investimentos?

Werner Baer

Antes de responder, preciso dizer que não sei como o Brasil conseguiu crescer tanto com uma taxa de investimento entre 16% e 20% do PIB. É muito pouco se comparamos com os países asiáticos, que investem de 35% a 40% do PIB. Então, é preciso aumentar o volume de investimentos, especialmente na infraestrutura de transporte e energia. Também será necessário investir pesado na infraestrutura para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Para abrigar esses eventos, deverá haver um enorme esforço, pois o País será o centro das atenções do mundo e o que for construído deve servir depois à sociedade. Não se podem erguer estádios que depois serão abandonados. Nesse sentido, acho que o BNDES continuará a ter papel fundamental.

ISTOÉ

Será que Dilma Rousseff conseguirá aprofundar a inclusão social que marcou o governo Lula?

Werner Baer

No que se refere às políticas de inclusão social, não vejo problemas. O custo do Bolsa Família não é tão grande assim. No máximo 1% do PIB. Mas acho que mais importante para aumentar a mobilidade social é melhorar o sistema educacional. Por isso, falo da reputação do Fernando Haddad. Não basta colocar na escola o pessoal que recebe o Bolsa Família. É preciso ver qual o nível dessa escola, qual o nível dos professores e que matérias são relevantes para o futuro. As escolas privadas de ensino básico e médio hoje têm um nível de ensino muito melhor do que o das escolas públicas. Como melhorar essa situação para aumentar a taxa de sucesso dos alunos da rede pública na busca por uma vaga na universidade? É muito importante romper essa barreira do acesso à formação de capital humano.

ISTOÉ

O sr. defende uma reforma do sistema educacional?

Werner Baer

Sim. É preciso discutir o financiamento das universidades públicas. Na Universidade de Illinois, onde leciono, as pessoas pagam uma anuidade, especialmente as de classe média e alta, que podem se dar ao luxo de pagar. Mas, se no Brasil isso é politicamente difícil de ser aplicado, o governo deve criar uma espécie de Projeto Rondon. Quem se forma em medicina ou direito, por exemplo, antes de ir para o mercado, deveria cumprir uns dois anos de serviço comunitário em regiões carentes do País. Esses alunos receberam educação gratuita do Estado e devem retribuir.

ISTOÉ

Na área externa, quais os desafios? É possível uma reaproximação com os EUA e um afastamento em relação ao Irã?

Werner Baer

Como disse, acho que Dilma terá uma relação mais pragmática, inclusive com o Irã. No caso dos EUA, acho que o presidente Barack Obama e a secretária Hillary Clinton têm uma visão mundial dos problemas econômicos e sociais semelhante à da equipe de Dilma. Estou bastante otimista. E, dado os governos da América Latina, o governo americano sabe que precisa do Brasil para construir uma relação melhor com a região.

ISTOÉ

O assessor internacional Marco Aurélio Garcia diz que os EUA descuidaram da América Latina. O sr. concorda?

Werner Baer

Não há dúvida que houve uma negligência muito grande da diplomacia americana em relação à América Latina. A atenção do governo americano ficou voltada apenas para o Oriente Médio, o Iraque e o Afeganistão e para o desafio da China nas relações econômicas internacionais. Além dos problemas internos, como a crise financeira.

ISTOÉ

O crescimento chinês está condicionado à decadência dos EUA?

Werner Baer

Não. Mas é um desafio. A Inglaterra não acabou quando a Alemanha surgiu como grande potência econômica. Ter outras grandes potências é muito bom para a reorganização das sociedades, especialmente a americana. Como economista, sou a favor da concorrência. O mundo multipolar é mais seguro e interessante do que o unipolar.

ISTOÉ

Que papel o Brasil terá nesse novo tabuleiro geopolítico?

Werner Baer

Será um dos gigantes. Todo mundo já olha o Brasil com respeito. Teremos um mundo dominado por grandes potências. No mundo latino-americano, ele será a grande potência. Nenhum outro país da região conseguirá chegar ao mesmo patamar. Teremos uma meia dúzia de grandes potências e outro grupo de países de médio e pequeno tamanho, que jogarão suas alianças para tirar vantagem de um e de outro.

ISTOÉ

Qual a grande herança do governo Lula e que tipo de papel ele deve ter a partir de agora?

Werner Baer

A grandeza de Lula foi manter a política econômica criada por FHC e enfatizar a política social, sem antagonizar os setores criativos do Brasil. Ele foi muito hábil em conciliar o interesse do agronegócio sem eliminar os sem-terra. Lula tem essa mágica política para evitar confrontos, e deve usar isso. Mas precisa pensar bem, se vai querer voltar ao poder em 2014 ou aproveitar seu prestígio internacional.


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