Avião sem asa, fogueira sem brasa, circo sem palhaço, namoro sem amasso, neném sem chupeta, Romeu sem Julieta… Todas essas comparações foram usadas pela cantora Adriana Calcanhotto para dizer que não conseguiria suportar uma existência longe do seu par. Mas será que o mesmo vale para a presidente Dilma Rousseff? Sem Lula, estará ela no comando de um avião desgovernado? Será Dilma uma simples chama passageira? A líder de um picadeiro sem sua maior atração? Muitos avaliam que sim. E enxergam no seu governo uma mera terceirização da Presidência da República – do criador para a criatura. Há tantos ministros herdados da era Lula que fica difícil saber quem está na direção e quem ficou no banco do passageiro. Quem conduz e quem é conduzido.

Mas essa é uma imagem apenas temporária. Dos 37 ministros que aparecerão na foto oficial do dia 1º de janeiro, poucos chegarão à reta final do governo Dilma. Quem a conhece de perto diz que apenas um ou outro foram realmente escolhidos pela nova presidente – entre eles, o ex-prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, que irá para o Desenvolvimento, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a chefe da Secretaria de Comunicação, Helena Chagas. Todos os outros, sem exceção, são descartáveis. E é muito provável que comecem a ser descartados bem antes do que se imagina – só estão onde estão porque Dilma evitou atritos desnecessários antes da posse. Com o poder imperial que terá nas mãos, e com uma economia em boas condições, a presidente sabe muito bem que não necessita de âncoras ou de fiadores.

E muito menos de superministros. Portanto, uma previsão natural para 2011 é o esvaziamento de qualquer candidato a “capitão do time”.
O passo seguinte será o distanciamento em relação ao presidente Lula. No discurso da vitória, no segundo turno, ela deixou clara qual será sua postura. Disse que bateria muito à porta de Lula em busca de eventuais conselhos, mas não o convidou a bater à sua porta. Não disse: “Venha, que a casa é sua.” Ou seja: delimitou o espaço de poder de cada um e explicitou que qualquer iniciativa de contato deve partir dela – não dele.

Dilma tem plenas condições de corresponder às expectativas dos 83% dos brasileiros que, segundo o instituto Datafolha, esperam melhorias econômicas nos próximos quatro anos. Pode ter sucesso, sem o auxílio das sombras do passado. E, como ela aprecia mais a música de Chico Buarque do que a de Adriana Calcanhotto, talvez tenha outra canção reservada para o presidente Lula: “Olhos nos olhos, quero ver o que você faz, ao sentir que sem você eu passo bem demais.”
 


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