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INCLUSÃO
Além de comprar comida e material
escolar, os Assunção mobiliaram a casa
com a verba do Bolsa Família
 

Ela nunca teve conta no banco. Nem talão de cheques. Muito menos cartão de crédito. “Fico feliz com esse cartão amarelinho mesmo”, diz a dona de casa Roseli Assunção, 38 anos. Moradora da periferia de Diadema, município paulista de 386 mil habitantes, Roseli não fala do aperto financeiro com pesar. Pelo contrário, abre um sorriso largo e resignado. O “cartão amarelinho” a que ela se refere – e exibe orgulhosa – é o do Bolsa Família. Os Assunção recebem o benefício há sete anos, desde que o principal programa de transferência de renda do governo Lula foi criado. São R$ 132 por mês, todo dia 20, religiosamente. É pouco? “Não. É uma ajuda muito grande, um dinheiro abençoado”, afirma Roseli. “Sabendo controlar, dá para comprar muita coisa.”

Roseli e o pedreiro Geraldo, 48 anos, têm sete filhos. John, o primogênito, tem 21 anos. As mais novinhas – as trigêmeas Vitória, Vanessa e Vivian – acabaram de completar 11 meses. “Agora o dinheiro do Bolsa Família vai mais para o leite e as fraldas. Mas, antes de as meninas nascerem, comprei um monte de coisas para as crianças e para botar dentro de casa: fogão, batedeira, liquidificador, cama, cesta básica, material escolar. Às vezes, a gente vê as coisas e dá um desejo no coração. Foi assim com a máquina de fazer pão. Quando comprei o micro-ondas também foi uma alegria. Era Dia das Mães e eu resolvi me dar um presente”, conta Roseli. Certo dia, quando a geladeira de segunda mão dos Assunção quebrou, a dona de casa decidiu adquirir uma nova, em 24 prestações. Geraldo não gostou. “Foi uma briga danada porque ele achava que eu não ia dar conta de pagar”, lembra Roseli. “Daí eu disse: ‘Tenho o cartão do Bolsa Família’. E ele falou: ‘Quero ver o dia que esse Bolsa Família acabar.’”

O Bolsa Família não acabou. Seguiu saciando a fome de milhões de famílias espalhadas por todo o País e alimentando os filhos e a autoestima de Roseli. Até engravidar das trigêmeas, ela era diarista numa mansão em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Como não tinha registro em carteira, não conseguia comprar a prazo. Com salário baixo, também tinha dificuldade para pagar à vista. Embora normalmente não faltasse trabalho para Geraldo, seus ganhos irregulares como pedreiro eram suficientes apenas para as despesas mais básicas da casa. Além de aumentar a receita, o Bolsa Família se tornou o comprovante de renda dos Assunção. Foi com o “cartão amarelinho” que Roseli abriu um crediário na Casas Bahia. “Eu pechincho e só compro uma coisa de cada vez. Quando vejo que está faltando uma prestação, corro e faço outro investimento”, afirma Roseli. “Agora estou ajudando o mais velho a pagar o notebook. Depois, vou querer comprar uma mesa com seis cadeiras.”

Redução da pobreza
 

No Morro do Samba, onde os Assunção vivem, há uma porção de gente que recebe o Bolsa Família. Cerca de 25% dos beneficiados são da região Sudeste. Metade mora no Nordeste. Em sete anos, o número de incluídos saltou duas vezes e meia: de 3,6 milhões de famílias em 2003 para 12,8 milhões no final de 2010. Mais de 50 milhões de brasileiros fazem parte atualmente. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o Bolsa Família foi um dos responsáveis pela redução da pobreza e pelo crescimento econômico do País. O consumo de carne teria subido, em média, 65% entre os beneficiários de todo o território nacional e o incremento da renda chegaria a 62% entre os do Nordeste.

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Inclusão na saúde e na educação

O grande diferencial do Bolsa Família é que, além de transferir renda, ele fomenta a inclusão nos serviços de saúde e educação. Uma pesquisa dos economistas Paul Glewwe, da Universidade de Minnesota (EUA), e Ana Lúcia Kassouf, da Universidade de São Paulo, mostra que o programa provocou um crescimento de 5,5% nas matrículas da 1ª à 4ª série do ensino fundamental e de 6,5% da 5ª à 8ª – também diminuiu a evasão escolar e aumentou a aprovação. As estatísticas do MDS indicam que as mulheres fazem 1,5 vez mais consultas pré-natal e a proporção de crianças com a vacinação em dia é 15 pontos percentuais superior nas famílias que recebem o benefício.

Isso porque o governo cobra contrapartidas para repassar o dinheiro. Uma das exigências é a frequência escolar das crianças e adolescentes de 6 a 17 anos. Outra imposição é que a saúde das crianças e das gestantes seja acompanhada. “A mortalidade infantil caiu 58% e a desnutrição infantil também diminuiu. Tiramos milhões de pessoas da invisibilidade e lhes devolvemos
a cidadania”, diz Márcia Lopes, ministra do MDS no governo Lula. “A grande aposta do Bolsa Família é a integração das políticas de educação, saúde e assistência social. Por isso, precisamos de maior envolvimento dos prefeitos.”

O governo investiu mais de R$ 61 bilhões no Bolsa Família. Mas, apesar dos avanços significativos, Márcia reconhece que os desafios para a próxima gestão não são desprezíveis. Pelo menos 100 mil famílias consideradas extremamente pobres – aquelas que têm renda per capita inferior a R$ 70 mensais – ainda não foram incluídas no programa. Quatro de cada dez que já recebem o benefício – que varia de R$ 22 a R$ 200 – continuam na extrema pobreza. E cerca de 750 mil famílias pobres – cuja renda per capita varia de R$ 70 a R$ 140 mensais – estão fora do Bolsa Família porque não têm crianças ou adolescentes em casa.

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Roseli e Geraldo começaram a trabalhar ainda crianças e só puderam estudar até a 5ª série. Seus filhos, no entanto, estão indo mais longe. John, o mais velho, conseguiu uma bolsa e está fazendo faculdade de educação física. Valquíria, 19 anos, já terminou o ensino médio e Joyce, 16, foi para o 2º ano. Mikael, um simpático garotinho de 6 anos e cabelos estilo Neymar, entrará no ensino fundamental em 2011. “O John chega a dormir com o lápis na mão. É um rapaz muito esforçado”, afirma Roseli. “Ele vai direto do estágio para a faculdade para gastar menos com condução.” Roseli conta que a casa dos Assunção, erguida num terreno que no passado era um lixão, foi construída aos poucos. Muitos dos blocos usados nas paredes foram produzidos por eles mesmos, no quintal. Parte do piso foi doação. “A gente vai conseguindo uma coisinha aqui, outra ali. Quando as coisas começam a acabar, aparece algum parente ou amigo para ajudar”, lembra a dona de casa.

“O Bolsa Família me ajudou muito. Não
pelo valor, mas porque me abriu portas”
Maria Albertina Lima

Roseli sempre se virou como pôde. Começou a trabalhar como diarista aos 11 anos. Fez de tudo um pouco. Já vendeu coxinha e pão no metrô. Agora, segue esticando o dinheiro do Bolsa Família e ajudando Geraldo a sustentar os filhos. Ela não é exceção: 93% dos titulares do cartão do Bolsa Família são mulheres. “Não posso dizer que nunca faltou alimento em casa porque faltou. Já aconteceu de acabar o pó de café ou alguma outra coisa e o homem (Geraldo) não ter dinheiro”, conta. “Com o Bolsa Família, fico alegre. Às vezes, a gente tem vontade de comer as coisas e eu posso comprar. O Mikael pede Toddynho e batatinha frita. Adoro comer sardinha, lasanha e uma macarronada maravilhosa no domingo.”

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O MILAGRE DO PRIMEIRO PASSO
A piauiense Maria Albertina Lima, 44 anos, passou boa parte da vida acompanhando o marido Brasil afora. Enquanto ele saía para trabalhar como torneiro mecânico, ela permanecia confinada dentro de casa cuidando das tarefas domésticas e dos dois filhos. Seguia sem coragem e com a autoestima no chão. Quando o marido a abandonou pela sétima – e última – vez, Maria Albertina perdeu o norte. “Eu não me enxergava como pessoa nem como mulher”, lembra. “Foi duro ver o meu menino menor perguntar: ‘E agora, mãe, o que vamos fazer?’” A única renda que ela tinha era a repassada pelo governo federal: R$ 22 por mês. “O Bolsa Família me ajudou muito. Não pelo valor, mas porque me abriu portas”, acredita. 

Na Prefeitura de Osasco, cidade da Grande São Paulo onde vive desde o início da década, ela descobriu que os beneficiários do Bolsa Família eram o público-alvo de diversos cursos de formação profissional. Maria Albertina se engajou, então, numa porção deles – costura, modelagem, supervisão de produção – até conseguir comprar cinco máquinas e abrir uma microempresa: a Nannôka. No ateliê, no segundo andar da casa onde mora, ela faz principalmente bolsas de patchwork. Ganha R$ 1.500 por mês. Refeita emocional e financeiramente, devolveu o cartão do Bolsa Família. “Sabe quando você se sente bem? Agora sinto que sou importante para a sociedade e para a minha família”, diz Maria Albertina. “Espero que outra pessoa entre na minha vaga do Bolsa Família.”