Tecnologia Uma sonda revelou a presença de ossos no sarcófago de Paulo

Bento XVI não tem dúvida. Para o papa, os restos mortais encontrados em um sarcófago sob o altar da Basílica de São Paulo Extramuros, em Roma, são mesmo do apóstolo Paulo, decapitado, como reza a história, no ano 67 a mando do imperador romano Nero. No domingo 28, o pontífice anunciou a descoberta do material, para delírio de milhares de fiéis reunidos na Praça de São Pedro, e celebrou o fim do Ano Paulino (dedicado às comemorações dos dois mil anos do nascimento do apóstolo).

Uma sonda introduzida no sarcófago – que contém as inscrições "Paulo, apóstolo e mártir" – revelou que os fragmentos ósseos pertencem a uma pessoa que viveu entre o primeiro e o segundo séculos. Disse o papa: "Tudo parece confirmar a unânime e incontrastável tradição de que se trata dos restos mortais do apóstolo Paulo."

No mesmo dia, o jornal oficial da Santa Sé (L’Osservatore Romano) publicou a descoberta da imagem mais antiga de São Paulo, datada do século IV. Trata-se de um afresco que se encontrava no teto de uma catacumba, em Roma. Os achados, porém, têm mais relevância política para a Igreja do que importância científica. Diferentemente da maioria das doutrinaS religiosas, o cristianismo depende – e muito – de fatos históricos. Desde os primórdios, o que deu força a essa religião e aos homens e mulheres que se contrapunham ao império romano, mesmo sendo jogados aos leões ou queimados em praça pública, foi a convicção de que houve uma pessoa que venceu a morte: Jesus. "Encontrar evidências da historicidade de um desses personagens é algo poderoso para o cristianismo", afirma o arqueólogo Jorge Fabbro, do curso de arqueologia do Oriente Médio Antigo da Universidade de Santo Amaro (Unisa).

São Paulo é peçachave nesse jogo. Romano que perseguiu pagãos e depois se converteu, ele foi um prolífero escritor, o primeiro a sistematizar os ensinamentos cristãos – a maioria dos escritos do Novo Testamento é atribuída a ele. O apóstolo transformou o que era uma seita do judaísmo em uma religião internacional, transportando-a para o Oriente Médio, a Ásia e a Europa. "Essa descoberta mostra a presença dele em Roma e confirma a história", diz o cônego Celso Pedro da Silva, da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção.

Século IV É a data da pintura mais antiga do apóstolo

Mas nem todos os estudiosos reconhecem a descoberta. Pedro Paulo Funari, professor de história antiga da Universidade de Campinas (Unicamp), afirma não existir informação segura de que São Paulo fora para Roma e lá tenha sido morto. "Até o terceiro século não houve um incentivo para que se preservasse os martirizados", defende ele. A prática passou a ocorrer no século seguinte, quando o imperador Constantino suspendeu a perseguição aos pagãos e legitimou o cristianismo. Junto com ela, porém, surge um problema. "Havia muita fabricação de relíquias cristãs pelo desejo de oferecer aos fiéis dados palpáveis para fortalecer a fé", diz Fabbro.

A dúvida que surge em relação a São Paulo é se o conteúdo do sarcófago, datado de 390 – época do culto às relíquias, portanto -, não foi manipulado. Além de pedaços de ossos, havia dentro dele grãos de incenso, um tecido de linho de cor púrpura laminado em ouro puro e outro de cor azul com fios de linho, vestes comuns a bispos do século IV. Para responder a esses e outros enigmas, o cônego Celso Pedro costuma dizer a seus alunos: "Esperem a eternidade para perguntar quando chegarem lá no céu."