Eu sou fiscal do Sarney, lembra? Em março de 1986, milhões de brasileiros pregaram um broche nas camisas e saíram às ruas para defender o controle de preços do Plano Cruzado contra a ganância dos empresários. Inconsistente, o congelamento só resistiu até as eleições estaduais de outubro, quando o PMDB elegeu 22 dos então 23 governadores. Sem o tabelamento, a hiperinflação voltou, os fiscais se sentiram traídos e surgiu a expressão "estelionato eleitoral", que deu início ao declínio dos peemedistas.

Hoje, com o PMDB novamente estabelecido como a maior força política do País, ao menos em número de governadores e parlamentares, os fiscais reapareceram. Só que desta vez o alvo é Sarney. E o roteiro é parecido com o que abateu seu antecessor na presidência do Senado, Renan Calheiros. Uma denúncia por dia, até que o alvo da caçada decida jogar a toalha.

Na lógica dos escândalos brasilienses, existem aqueles que desabrocham naturalmente, quase por acidente, e os que são construídos em laboratório, de forma política. O caso Sarney pertence à segunda categoria, o que não significa que as acusações sejam falsas. Significa apenas que a ofensiva para enlamear o Senado serve a um plano maior – ou, quem sabe, a dois planos. Ao Palácio do Planalto e ao presidente Lula, interessa enfraquecer os aliados. Um PMDB na defensiva é também um PMDB mais barato no bilionário mercado de nomeações públicas. À oposição e ao candidato José Serra, interessa criar o mito de que existe um PMDB sujinho (o de Sarney e Renan, que deve fechar aliança com o PT em 2010) e também um PMDB limpinho (o das alas que embarcam no projeto serrista).

Ocorre que a desmoralização do Senado pode fazer emergir um novo tipo de democracia no Brasil. Não a representativa, com os custos que acarreta, mas uma democracia direta, plebiscitária e talvez mais caudilhesca. Se os verdadeiros fiscais do Sarney, os eleitores, se derem conta de que os parlamentos atendem apenas aos interesses particulares de deputados e senadores, a questão a ser colocada é óbvia: por que não fechar o Congresso? Ou então, por que não pedir que a Polícia Federal invada o Parlamento, como já sugerem vozes influentes da opinião pública?

Dias atrás, quando saiu em defesa de Sarney, o presidente Lula disse não saber a quem interessa desmoralizar o Poder Legislativo. E lembrou que, quando o Congresso esteve fechado, foi pior para o País. Se Lula não sabe, vai a resposta. O ataque contínuo aos parlamentares atende aos interesses de quem defende um presidencialismo forte e uma eventual "chavização" do País – o que, certamente, não deve ser o desejo do presidente Lula.