Dez anos depois da morte do fundador da grife, sua irmã revela como foi difícil substituir o badalado estilista Gianni Versace

O lendário La Scala de Milão foi o local escolhido para homenagear Gianni Versace no décimo aniversário de sua morte. Em 15 de julho, o palco do majestoso teatro se abriu para reverenciar um gênio da moda – assassinado dez anos antes na mesma data em Miami – com a arte que ele mais apreciava: o balé. Sob a direção de Maurice Béjart, amigo e parceiro de Gianni em 12 montagens, foi encenado o espetáculo Grazie, Gianni, com amore (Obrigado, Gianni, com amor), tributo que teve por trás Donatella Versace, irmã e sucessora do estilista italiano morto aos 50 anos. Em entrevista à ISTOÉ, a diretora criativa da marca falou sobre a emoção de reverenciar a memória de um estilista que foi também artista. Relatou os bastidores do espetáculo no La Scala, que reuniu estrelas como Jessica Alba, tops como Claudia Schiffer e Naomi Campbell, além de mestres da costura, como Karl Lagerfeld.

Donatella finalmente pode comemorar. Pela primeira vez em dez anos, a Versace, sob a sua batuta e do irmão Santo, dá sinais de que saiu da crise que culminou na reestruturação do grupo familiar e no fechamento de linhas, como a marca jovem Versus. Donatella também parece ter saído do inferno astral, que a levou a se internar em 2005 numa clínica de reabilitação para se livrar da dependência de álcool. Na entrevista a seguir, a estilista italiana, de 52 anos, admitiu o peso de suceder o irmão e falou sobre o orgulho de manter de pé o legado de Gianni, além do desafio de traduzir para o século XXI o estilo que ele criou. Donatella se define como uma típica “mamma italiana” e diz esperar da próxima geração da família uma contribuição para o futuro da Versace. Entre eles, estão seus dois filhos, Daniel, 19 anos, e Allegra, 21, que é herdeira de 50% da fortuna deixada pelo tio, estimada em US$ 700 milhões, e que luta contra a anorexia.

ISTOÉ – Como foi a última década sem Gianni Versace para conduzir o negócio e as coleções da grife ?
Donatella Versace

Donatella Versace – Os últimos dez anos foram muito, muito pesados. Eu não perdi apenas o meu irmão, mas perdi também meu amigo e meu professor. Eu não esperava que fosse confiado a mim o papel de estilista da Versace e todo esse processo foi difícil, especialmente no começo, quando eu ainda estava vivendo o luto pela perda de Gianni. Mas foi a memória dele que me manteve forte. Ganhei confiança no meu trabalho e comecei a me envolver com a Versace (Antes, ela desenhava apenas a segunda linha da marca, a Versus).

ISTOÉ – Como a Versace manteve viva a memória de seu criador?
Donatella Versace

Eu sempre penso no Gianni, no que ele faria se estivesse no meu lugar. Gianni foi um inovador e seu trabalho era um reflexo do seu tempo. Ele acreditava que a moda fazia parte da cultura e, por isso, estou certa de que se ele estivesse vivo hoje desenvolveria suas criações totalmente afinadas com o novo século. Isto é o que penso estar fazendo – pegar o glamour e a sensualidade da Versace e interpretá-los de uma maneira moderna para a mulher de hoje.
 

ISTOÉ – Qual foi o maior ensinamento que Gianni Versace lhe deixou?
Donatella Versace

Gianni me ensinou a importância de ser culturalmente relevante e como encontrar minha própria voz como estilista contemporânea. Eu sempre o sinto por perto, olhando por mim e me guiando.
 

ISTOÉ – Quais foram os momentos mais difíceis ao longo deste processo de substituição do Gianni Versace, tanto na parte executiva como na de criação?
Donatella Versace

É claro que foi extremamente difícil. Eu tive que aprender sobre o negócio enquanto fazia e tudo isso sob os holofotes da mídia. Foi realmente pesado e certamente nos primeiros anos eu sentia que estava fingindo fazer o trabalho do meu irmão. Mas recentemente ganhei confiança e sinto que estou desenvolvendo minha própria voz, que é definitivamente Versace. Eu aprendi com Gianni acima de tudo, mas já começo a vislumbrar os sinais da minha contribuição pessoal para a marca. Minha direção veio de dentro. Eu sempre acreditei no trabalho duro, assim como Gianni. Sucesso nunca vem fácil. Agora, estou motivada em manter o sucesso do nosso negócio em memória de Gianni e também em construir um grande futuro.
 

ISTOÉ – Como a sra. vê a Versace de hoje em relação a dez anos atrás?
Donatella Versace

É inegável o glamour e o sex appeal que há em tudo que a Versace faz. Isto é parte da imagem que o meu irmão criou – a idéia de que a roupa da mulher serve para deixar quem a usa mais confiante e mais sexy. E, claro, fazer com que virem a cabeça quando elas passem. Eu também quero fazer as mulheres se sentirem maravilhosas e que pareçam fabulosas. Todas as coleções que crio, tenho isso em mente, levando em conta que o approach do século XXI é muito mais sensual do que explicitamente sexual. A chave para esta sensualidade é fazer com que a mulher pareça forte. As mulheres Versace sabem o que querem, estão no controle. Na minha experiência, os homens acham isso extremamente atraente.

ISTOÉ – De que maneira os dez anos da morte de Gianni foram lembrados? .
Donatella Versace

Acabamos de ter um evento no teatro La Scala de Milão com um balé dedicado aos décimo aniversário de morte do Gianni (o estilista foi assassinado por Andrew Cunanan na entrada de sua mansão em Miami Beach. O assassino cometeu suicídio ao ser cercado pela polícia). Foi simplesmente incrível. Tivemos uma noite maravilhosa que foi ainda mais especial pela prazer de ter tantos amigos que se dispuseram a vir em honra do meu irmão Gianni. A performance foi simplesmente fantástica e fiquei muito tocada pela forma como Maurice Béjart tratou a memória do meu irmão. Foi exatamente o que eu esperava dessa homenagem. Quando comecei a discutir como seria a melhor forma de celebrar a vida do Gianni, logo imaginei alguma coisa encenada no La Scala, tanto pelo fato de ele ter trabalhado maravilhosamente lá (foi responsável pelo figurino de balés como “Morte Súbita”, de 1984, e “Barocco Bel Canto”, de 1997) como também por ser o teatro um verdadeiro patrimônio de Milão, sua cidade adotiva

ISTOÉ – Como surgiu o espetáculo ?Grazie, Gianni, com amore??
Donatella Versace

Tínhamos um enorme desafio pela frente que era como mostrar para as pessoas as roupas do Gianni e também os grandes momentos de sua carreira em um balé. E ainda precisava integrar tudo isso a um moderno tributo a ele. Tinha ainda que pensar como seria fazer estas novas criações em homenagem ao meu irmão. Pode-se imaginar o quão ambicioso e complicado foi o processo. Então, estou contente com o resultado de tudo o que planejamos e pelo qual trabalhamos tão duramente. Ao final, correu tão bem, foi uma experiência maravilhosa. Agora, posso relaxar.

ISTOÉ – A sra. esperava tantas celebridades presentes ao evento, prestigiado por estrelas como Jessica Alba, que nem mesmo conheceu Gianni Versace?
Donatella Versace

Eu fiquei realmente grata a todas as pessoas que compareceram naquela noite ao La Scala. Fiquei muito comovida com a resposta ao nosso convite. Durante a preparação do evento, falei com muitos amigos sobre o Gianni. Ao mesmo tempo que isso abriu velhas feridas, me fez lembrar o quanto ele era querido, o quanto as pessoas o amavam e o admiravam.
 

ISTOÉ – Qual foi a sua participação no balé?
Donatella Versace

Eu já tinha trabalhado com Maurice antes e claro que conheço o jeito dele desde as colaborações de Gianni em seus balés. Procurei fazer justiça à memória do meu irmão e criar figurinos especiais e que fizessem justiça também ao talento de Maurice. Ao final, achei que as roupas funcionaram bem com a coreografia, que é o que realmente importa. Criei figurinos em chenille turquesa, verde-esmeralda, vermelho- rubi e amarelo-limão. A cabeça dos dançarinos foi enfeitada com cristais Swarovski. Os figurinos para o ato final foram concebidos como uma celebração ao corpo em movimento. Criei painéis e asas em chiffon pink bordados com cristais de diferentes tamanhos e de formas irregulares. O efeito das luzes nos corpos dos dançarinos enfatizou a energia que irradiava dos seus movimentos.

ISTOÉ – É mais complicado criar roupas para o palco do que para a passarela?
Donatella Versace

Desenhar para um balé é muito diferente de desenhar para a passarela e para as minhas coleções de moda, já que as roupas devem permitir aos dançarinos se mover com facilidade, além de preencher uma função dramática. Esta foi uma experiência muito prazerosa. Glamour e drama estão no coração da Versace. Eu aprendi tudo que sei com Gianni – e no que concerne ao trabalho com teatro e com balé, eu sempre vi o real engajamento dele com os bailarinos, a coreografia e a música. Gianni sempre foi um grande talento e conseguiu romper as fronteiras entre a moda e a arte. Quando ele trabalhava nos figurinos para um balé ou alguma peça teatral, ele realmente demonstrava como a moda pode contribuir para as outras formas de arte e, na via contrária, como as demais artes podiam contribuir com a moda.
 

ISTOÉ – Como era o artista Gianni Versace?
Donatella Versace

Gianni sempre foi um grande showman. Transformava a passarela onde mostrava suas coleções em um grande evento. Conversando com muitas modelos que trabalhavam com ele regularmente, elas se lembram de como a música e a luz da Versace naquele época eram extraordinárias. Gianni sempre queria fazer um show de verdade. Ele queria que as modelos parecessem estrelas, ou melhor, que fossem estrelas. De fato, ele criou o fenômeno das supermodelos quando mandou todas as tops para a passarela juntas. O convencional era que apenas uma delas aparecesse por desfile. Assim como Maurice Béjart, Gianni compreendia o impacto de dirigir a cena. Então, quando ele trabalhava no figurino de um balé, ele levava muito seriamente esse papel.
 

ISTOÉ – Qual era o papel de Gianni Versace como figurinista?
Donatella Versace

Ele procurava cativar as pessoas pelo figurino e fazer com que os movimentos dos bailarinos fossem complementados por aquilo que eles estavam usando. Seus vestidos para balé eram sempre justos e coloridos, assim como eram suas coleções de moda. Eram praticamente esculpidos para causar um grande impacto visual.

ISTOÉ – As homenagens pelo décimo aniversário de morte cumpriram seu objetivo?
Donatella Versace

Fiquei feliz com a performance no balé. Foi maravilhoso ver a próxima geração sentindo tanto prazer ao entrar em contato com o trabalho de Gianni. Eu estou certa de que ele estaria muito comovido e orgulhoso ao ver como seu trabalho ainda é lembrado.
 

ISTOÉ – Como concilia o papel de empresária, estilista e mãe de dois jovens?
Donatella Versace

De várias maneiras, eu sou uma típica mãe italiana, que adora suas crianças e é extremamente orgulhosa delas e quer sempre o melhor para os filhos. Se forem perguntar para meus filhos, eles vão dizer que, como toda mãe italiana, eu sou muito controladora. Sou extremamente interessada em suas vidas, talvez mais do que eles gostariam. Claro que como toda mãe que trabalha eu estou sempre lutando entre as demandas conflitantes da carreira e da família. Para ser honesta comigo mesma, eu tenho que admitir que na época da morte do Gianni eu estava tão envolvida em dar o máximo de suporte para a companhia que eu não me permitia passar mais tempo com a minha família.
 

ISTOÉ – Como seus filhos lidam com o legado e a herança deixada pelo tio?
Donatella Versace

Donatella – Acredito que meus filhos entendam a importância do tio deles para o mundo da moda. Certamente que, à medida que eles foram crescendo, foram absorvendo mais e mais a força que Gianni tinha. Mas com esse conhecimento vem também a responsabilidade. Versace é uma casa de moda construída com o DNA da família. A próxima geração tem um papel a desempenhar nisso também.