Alto risco: na Serra do Cafezal, trinta quilômetros em mão-dupla, curvas acentuadas e tráfego intenso de caminhões formam uma perigosa combinação

A Rodovia Régis Bittencourt, da BR-116, é um cenário permanentemente armado para tragédias anunciadas. As marcas da última delas ainda se encontram por lá: restos de um incêndio na mata e no asfalto esburacado, atraindo a curiosidade dos motoristas que sobem e descem por curvas agudas e traiçoeiras. Na madrugada do dia 27 de dezembro, um caminhão carregado de gás de cozinha explodiu, atingindo seis outros veículos. Quatro pessoas morreram e cinco tiveram ferimentos graves. As chamas chegaram a atingir 20 metros de altura e a rodovia permaneceu interditada nos dois sentidos por 13 horas. O acidente ocorreu no trecho mais perigoso da Régis, que liga São Paulo a Curitiba e é conhecida como a “Rodovia da Morte”. Ali fica a serra do Cafezal, área de Mata Atlântica situada entre os quilômetros 336 e 367, onde a estrada ainda é pista única. A duplicação da rodovia se arrasta desde o início dos anos 70.

A transposição desse trecho de serra exige, além de perícia, nervos de aço. O tráfego de caminhões é intenso e, apesar das curvas perigosas, não faltam motoristas tentando efetuar ultrapassagens quase impossíveis. A pesquisa de 2004 da Confederação Nacional do Transporte (CNT) sobre a situação das estradas considerou a Régis “deficiente”, levando em conta fatores como pavimentação, sinalização e geometria. No ranking de 109 importantes rodovias do País, ela está em 37º lugar. Nada menos que 153 pessoas morreram na estrada no ano passado, num total de 3.185 acidentes envolvendo 5.102 veículos, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF). No resto do País a situação não é muito diferente: foram 109.505 acidentes e 6.190 mortes de janeiro a dezembro de 2004.

Entraves – Apesar desse quadro, a duplicação dos fatídicos 30 quilômetros de pista, na serra do Cafezal, parece estar longe de acontecer. Uma série de complicações jurídicas, burocráticas e ambientais entravaram durante anos a solução do problema. O mais complexo dos entraves foi a obtenção do licenciamento ambiental da área, tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) e decretada como Reserva da Biosfera pela Unesco. Em 1997, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente deu sinal verde para a obra, que dependia ainda de parecer do Ibama. Quando o órgão concedeu licença prévia para a sua execução, o Ministério Público Federal insurgiu-se contra o traçado da nova pista, uma vez que, alega, ela invade a área de manancial. Em 2003, a Justiça suspendeu a licença e a obra não deslanchou. Segundo o Ministério dos Transportes, a questão ambiental já está resolvida. E o governo, que conferiu à Régis o status de “corredor do Mercosul” – por ser ela a principal ligação entre Brasil e países vizinhos –, decidiu entregar a rodovia à iniciativa privada ainda este ano.

“Viajo por todo o Brasil e conheço estradas, como a Belém–Brasília ou a Cuiabá–Porto Velho, em condições muito piores em termos de conservação. Mas em se tratando de perigo real não conheço nada parecido com a Serra do Cafezal. Subo e desço com o coração na mão, pedindo proteção a São Cristóvão, padroeiro dos motoristas”, desabafa o caminhoneiro Osni de Oliveira, 48 anos e 25 de estrada, que se acidentou duas vezes na Régis. De acordo com o Departamento de Infra-Estrutura de Transporte (DNIT), mais de 70% do volume de tráfego da Régis é formado por veículos pesados, ou seja, caminhões e ônibus. “Não bastasse o trecho difícil por ser pista única, a situação se torna mais perigosa por causa da irresponsabilidade de motoristas”, diz Osni.

Outros caminhoneiros disseram também que alguns donos de guinchos jogam óleo na estrada para provocar acidentes. “Se alguém derrapa e bate vai ter de remover o veículo e isso aqui custa caro”, afirmam. Indagados se já haviam presenciado essa prática, disseram que não. “Mas já vimos manchas estranhas de óleo na pista.” Policiais rodoviários que trabalham na estrada afirmaram desconhecer esses fatos. “Se fosse verdade, eles já teriam sido presos e processados”, garantiram. A reportagem de ISTOÉ procurou um grande posto de caminhão-guincho da rodovia, próximo ao limite entre São Paulo e Paraná, em Barra do Turvo. Segundo o gerente, Marcelino de Souza, a história não tem fundamento e “virou boato” depois que o apresentador Carlos Massa, o Ratinho, sofreu um acidente no ano passado que levou à morte seu motorista. “O Ratinho acusou os guincheiros no seu programa. É uma injustiça. Naquele dia estava chovendo e eles corriam num pedaço ruim da estrada, próximo daqui. Fomos nós que prestamos socorro. Não somos criminosos, ganhamos o pão honestamente, convivendo com desgraças que não causamos”, desabafa Marcelino. O local onde ele está instalado, na Serra do Azeite, também é um trecho perigoso, recheado de curvas em aclive e declive.

Paliativos – De acordo com o DNIT, foram entregues sete quilômetros de pista dupla em 27 de dezembro, na região de Juquitiba. Por ironia, no mesmo dia em que o caminhão que levava gás de cozinha tombou na estrada. O órgão garante que 12 redutores de velocidade serão instalados até o final de janeiro, dez deles na Serra do Cafezal, limitando a velocidade em até 60 km/h. São paliativos. Há mais de 30 anos em processo de duplicação, a Rodovia da Morte ainda não está terminada. Agora, o governo pretende repassar para a iniciativa privada a responsabilidade pelo término da obra. Até junho o processo de licitação deve estar concluído, segundo o Ministério dos Transportes. Mas o trecho de pista única será entregue assim como está, para que a futura administradora resolva o problema. É esperar para ver.