Não há mocinhos nesse faroeste. As salas das três CPIs se transformaram em palco de violentos duelos, com petistas de um lado e tucanos de outro, armados até os dentes. Uma guerra de nervos que se acirra a cada dia, com recados ameaçadores de ambas as partes nas CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos. Munição é que não falta para os dois adversários. O PSDB já foi xerife durante oito anos e comandou o maior processo de privatização do País. O PT dá as ordens pela primeira vez e já se prepara para a guerra eleitoral do ano que vem: quer repetir a façanha de seu rival e continuar com a estrela de xerife no peito por mais quatro anos. Sem papas na língua, a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) chegou a deixar parlamentares do PT e do PSDB sem graça ao ironizar durante uma sessão da CPMI dos Correios: “Vocês têm um caso de amor mal resolvido.” Nessa relação de amor e ódio, há mais coisas em comum entre PT e PSDB do que a política econômica de Antônio Palocci. Uma delas chama-se Marcos Valério, o publicitário mineiro que operou um esquema milionário de financiamento de partidos e campanhas eleitorais.

Esse personagem com pinta de bandidão desse faroeste tropical não serviu apenas ao PT através de suas armações ilimitadas com o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares. As investigações já apontam ligações do fora-da-lei Marcos Valério com o também ex-tesoureiro do PSDB Ricardo Sérgio de Oliveira, que foi diretor da área internacional do Banco do Brasil. O publicitário mineiro atingiu também duas figuras que sempre foram vistas como mocinhos, comandantes dos fortes apaches petista e tucano. Primeiro Valério derrubou José Genoino, o ex- presidente nacional do PT, que teve de renunciar ao posto por causa de suas assinaturas em papéis que Delúbio dizia ser empréstimos do PT junto a bancos com aval do publicitário. O atual presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), está agora na corda bamba: como Genoino, Azeredo diz que é inocente e não sabia nada sobre recursos do valerioduto em sua campanha de reeleição ao governo de Minas em 1998, como mostraram as investigações.

A tese apresentada pelo PT de que a origem do dinheiro do caixa 2 era fruto de meros empréstimos com aval de Valério já está sendo desmontada pelas investigações. Começa a emergir um esquema de irrigação financeira para partidos e campanhas eleitorais alimentado por contas no Exterior, como já afirma o xerife da CPMI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS). Nesta primeira semana de outubro uma força-tarefa da Polícia Federal e Ministério do Público Federal desembarcou na terra do bang bang para aprofundar as investigações, com a ajuda da Promotoria Distrital de Nova York. Os peritos brasileiros foram analisar as pilhas de documentos sobre dezenas de contas, como a Dusseldorf, de outro publicitário, Duda Mendonça. Ele admitiu ter recebido R$ 10,5 milhões de Marcos Valério pelo seu trabalho nas campanhas de 2002, mas os investigadores suspeitam que Duda recebeu não só do PT, mas de políticos de vários partidos.

Franco-atirador – Depois de apanharem por quatro meses, humilhados, os petistas resolveram partir para o contra-ataque depois de reunir sua Executiva Nacional, na segunda-feira 4. O presidente do PT, Tarso Genro, foi o atirador, cobrando das CPIs que investiguem não só a ponta, mas todo o iceberg da corrupção. Apontou sua mira na direção do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e das suspeitas que pesam sobre as privatizações de seu governo, que, segundo ele, “já pertencem à história”. “Quando Delcídio diz ‘veio dinheiro de fora’, não é uma ameaça. É um favor. E o próximo favor é dizer de onde veio, por que veio, desde quando e quem foram as pessoas e partidos beneficiados”, bombardeou Tarso.

No dia seguinte, o presidente Lula recebeu o troco dos oposicionistas que dominam a CPI dos Bingos, apelidada de “CPI do Fim do Mundo”. Tentando ressuscitar o fantasma de Celso Daniel, prefeito de Santo André assassinado em 2002, os senadores aprovaram a acareação dos irmãos de Daniel com Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da Presidência, um dos colaboradores mais próximos de Lula. João Francisco e Bruno Daniel afirmam que o próprio Carvalho havia contado a eles à época do crime que Celso Daniel havia sido vítima do esquema de corrupção montado na prefeitura, cujos recursos arrecadados iriam para campanhas petistas. Irritado, Lula não se conteve: “Estou esperando a CPI dos Bingos chamar um bingueiro.” Os governistas atiraram de volta na quarta-feira 5, aprovando na CPI do Mensalão a convocação de Ricardo Sérgio, cujo nome surgiu nas CPIs como arrecadador de dinheiro para campanhas do PSDB, suspeito de ter ligações com Marcos Valério, já que o edifício ocupado por uma das empresas do publicitário, a SMP&B, seria de uma empresa do ex-tesoureiro tucano. Além disso, Ricardo Sérgio é acusado de ser participante de um suposto esquema de liberação de verbas para aprovação da emenda da reeleição no governo FHC, em 1997, assunto também apurado pela CPI do Mensalão. A senadora Ideli Salvatti (PT-SC) desafiou a oposição a investigar os empréstimos com o Banco Rural feitos por Valério para o PSDB de Azeredo desde 1998: “Está ficando insustentável a ligação de Valério com o PSDB. Essa conexão mineira está crescendo e tem começo, meio e fim. Se a oposição quer saber a origem dos empréstimos, esse caso pode ajudar.” As vítimas desse faroeste – nós, os índios – ainda esperam para ver se os dois lados têm interesse real em investigar tudo e se os fora-da-lei serão de fato punidos.