O Brasil experimentou na semana passada, pela primeira vez, o real impacto da pandemia de gripe suína que assusta o mundo há cerca de dois meses. Escolas foram fechadas e milhares de alunos entraram mais cedo nas férias escolares de julho. Empresas nas quais houve o registro de casos interromperam o trabalho. Do seu lado, o governo federal anunciou medidas adicionais para conter o avanço do vírus Influenza A (H1N1), o causador da doença. Entre elas, a recomendação de não viajar para o Chile e a Argentina, onde há grande número de infectados. Na história da saúde pública brasileira, nunca o País vivera uma realidade como essa.

O Estado onde o recrudescimento da pandemia mais se fez sentir foi São Paulo. Com 217 casos até quintafeira 25, contabilizava mais de oito mil alunos dispensados das aulas. Uma das escolas que decidiram adiantar as férias escolares foi o colégio Pueri Domus, onde sete alunos foram contaminados em uma de suas unidades. "Não havia sentido em expor uma comunidade inteira por causa de poucos dias de aula", explicou Fernanda Semeoni, diretora da instituição. No mundo corporativo paulista, as baixas foram sentidas em grandes companhias. A SerasaExperian – empresa especializada em informação, marketing e gerenciamento de crédito – dispensou temporariamente cerca de 120 funcionários após confirmação de cinco casos. A Natura, fabricante de produtos de beleza, adotou a mesma postura depois de duas confirmações e quatro casos suspeitos, um deles o de uma criança atendida em seu berçário.

No Rio de Janeiro, em um dos escritórios da empresa Vale do Rio Doce, 90 funcionários foram mandados para casa depois da ocorrência de um caso. No Colégio Santo Inácio, um dos mais tradicionais da cidade, as aulas foram suspensas depois que dois estudantes tiveram confirmado o diagnóstico. No Rio Grande do Sul, o prefeito de São Gabriel, cidade com 60 mil habitantes, decretou estado de emergência.

Desde o dia 22 de junho, estão vetadas atividades escolares e religiosas, shows e outros eventos que resultem em aglomeração em locais fechados. No município havia 29 casos suspeitos, quatro deles confirmados. "Temíamos que o quadro ficasse fora de controle", explica o secretário de Saúde, Paulo Forgiarini. Na esfera governamental, o Ministério da Saúde anunciou a distribuição obrigatória de um formulário no qual passageiros que chegam ao Brasil – por avião ou por terra – vindos do Chile e da Argentina devem informar suas condições de saúde e deixar seus endereços.

Nem todas as medidas foram consensuais. "No caso das escolas, a decisão foi apropriada porque faltavam poucos dias para as férias", afirma o infectologista David Uip, diretor do Instituto Emílio Ribas, centro de referência para o tratamento de doenças infectocontagiosas localizado em São Paulo. "Mas medidas isoladas, como fechar um departamento, não têm eficácia." A recomendação de que as pessoas adiassem viagens para a Argentina e o Chile também causou polêmica. A presidente do Chile, Michelle Bachelet, pediatra e epidemiologista, disse que essa não é a forma adequada de enfrentar a pandemia. "A única solução é trabalhar em conjunto, e não fechar portas", disse. Quem também não concordou com a decisão foi a Associação Brasileira de Agências de Viagens. "Estamos no começo de temporada e temos agências com mais de três mil pacotes só para Bariloche", disse Leonel Rossi, diretor da entidade. "É um prejuízo grande." De fato, muitas pessoas cancelaram a viagem depois da orientação do governo. A professora Mariana Mendonça, que viajaria com o filho, Eduardo, 8 anos, e a mãe, Gelda, foi uma delas. Ela iria para Santiago, a capital chilena, e depois para estações de esqui daquele país. "Resolvi cancelar porque achei que seria imprudência expor minha família a esse risco", afirma.

Críticas envolvendo ações adotadas em situações novas são esperadas. Porém, controvérsias à parte, o fato é que o País terá de aprender a conviver com o avanço da nova gripe em território nacional. Trata-se de uma realidade certa. Há três razões para a escalada inexorável da doença por aqui. A primeira diz respeito ao próprio comportamento do vírus. Até agora, ele está se disseminando, como é de se esperar de um Influenza, e em velocidade parecida com a de um Influenza normal. "Em média, cada dez pessoas com gripe comum infectam outras 13. O H1N1 está se comportando de modo semelhante", diz o infectologista Artur Timerman, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Outro motivo é estarmos no inverno, estação propícia à proliferação de gripes. Com as temperaturas mais baixas, a tendência é de que as pessoas procurem locais fechados, onde a falta de arejamento e a proximidade com eventuais infectados facilitam a contaminação. Para piorar, há o agravante do alto índice de infectados nos nossos vizinhos Chile e Argentina. Normalmente, o trânsito de pessoas entre as três nações já é muito grande. Mas nesta época do ano há um crescimento na ida de brasileiros aos dois países, tradicionalmente destinos turísticos bastante procurados.

Neste aspecto, apesar das medidas anunciadas, ainda há falhas na fiscalização do entra e sai de pessoas entre Brasil, Chile e Argentina. Na quartafeira 24, três dias depois de a doença ter sinalizado que havia ganhado velocidade de crescimento, era possível encontrar, no aeroporto de São Paulo, viajantes procedentes do Chile que não tinham passado por nenhum acompanhamento. "Não recebi nenhum formulário ou vi qualquer fiscalização", disse o representante de vendas Juan Ciancaglini assim que desembarcou.

No Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo, também não havia nenhum suporte para os passageiros que desembarcavam dos ônibus vindos de Buenos Aires e do Chile. Na madrugada da quinta-feira 25, a expressão no rosto dos passageiros ao chegar era de frustração. "Há alguma autoridade de saúde aqui?", perguntava a geógrafa Érica Tsukada, acompanhada pelo marido, Carlos Eduardo Barbosa. "Não recebemos informação nem em Buenos Aires nem aqui." Na verdade, a única orientação vinha do serviço de som do terminal. Entre uma música e outra, o locutor lia trechos de uma mensagem enviada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas o texto é de difícil compreensão: "Atenção, senhores passageiros: o Influenza A (H1N1) é uma doença contagiosa", diz o aviso. Este é o nome científico da doença, mas certamente não é aquele que as pessoas reconhecem prontamente como sendo a gripe suína. Mesmo com falhas, a ação do governo não é considerada ruim. "O processo está sendo razoavelmente bem conduzido", diz Eduardo Massad, professor de informática médica da Universidade de São Paulo. Ele é um dos mais contundentes críticos das autoridades de saúde na prevenção da dengue, por exemplo.

Diante da combinação de todos estes fatores – e, portanto, da presença cada vez mais forte do H1N1 na rotina normal -, os brasileiros terão de adotar um novo comportamento em relação aos cuidados com a própria saúde e também em respeito à saúde alheia. As primeiras ações se dão dentro de casa. Pessoas que tiverem sintomas como febre alta por mais de dois dias e tosse, por exemplo, devem ir ao médico e ficar em repouso até se recuperar totalmente se o diagnóstico for confirmado. No trabalho, as empresas precisam ser pró-ativas, como se diz no jargão corporativo. "Devem informar as pessoas sobre os sintomas e oferecer condições para que se previnam", orienta a infectologista Nancy Bellei, da Universidade Federal de São Paulo. Por sua vez, quem sente que pode estar contaminado precisa ter em mente que deve proteger a si e aos outros. Nesta situação, é adequado usar um lenço ou máscara ao tossir ou espirrar e até ao falar. Mudanças de comportamento também podem ser adotadas para circular em locais públicos fechados, como cinemas e restaurantes. "Por uma questão de etiqueta social e preocupação com o próximo, as pessoas sintomáticas deveriam evitar aglomerações até os sintomas desaparecerem", diz a infectologista Nancy (leia mais sobre o que fazer nos quadros da reportagem).

O que não deve acontecer, em hipótese alguma, é a criação de uma cadeia de pânico. Até agora, felizmente para o mundo todo, o H1N1 tem se mostrado bastante parecido com a gripe sazonal comum. As primeiras e altas taxas de mortalidade aferidas no México, ainda no começo da pandemia, não se sustentaram depois de algumas semanas. No início, estimava-se que a doença poderia matar até 15% das pessoas infectadas. Os dados mais recentes, no entanto, apontam que a mortalidade do novo vírus está em torno de 0,4%. Ou seja, mata quatro pessoas a cada mil doentes. O índice de mortalidade da gripe comum é calculado em 0,1%. Acredita-se que as taxas elevadas do começo possam ter ocorrido pela soma de condições desfavoráveis. Primeiro, por causa da enorme confusão de diagnósticos – nas primeiras semanas, não era possível identificar com rapidez quando se tratava de uma gripe comum ou suína. Em consequência, muita gente morreu sem ter recebido o tratamento indicado (os remédios Tamiflu ou Relenza). Na Argentina, onde o índice de mortalidade está em 1,2%, alto demais para os padrões mundiais, discute- se também quanto ele é real. A suspeita é a de que, na verdade, esteja ocorrendo uma subnotificação de casos. Ou seja, como o número de doentes contabilizados é menor do que o verdadeiro, a taxa de letalidade acaba ficando muito alta, em razão da proporcionalidade.

Não entrar em pânico não significa, porém, desativar o alerta. O grande temor das autoridades de saúde mundiais é que esse mesmo H1N1 que se apresenta agora de forma branda volte diferente, muito mais agressivo, numa segunda ou terceira onda de casos. "A história das pandemias mostra que isso é possível", afirmou à ISTOÉ, de Londres, o virologista Jack Woodall, do ProMED-mail, uma rede internacional de vigilância epidemiológica. Foi assim com a gripe espanhola, que num primeiro período de surto não parecia tão devastadora. Mas na sua segunda onda veio com uma força destruidora jamais antes vista pela humanidade: de 1918 a 1919, a doença matou entre 20 e 50 milhões de pessoas. Atualmente, é remota a possibilidade de uma gripe tirar a vida de tanta gente. A medicina dispõe de recursos eficientes para evitar que uma tragédia de igual proporção se repita. Mas a chance de o H1N1 tomar uma forma mais assustadora é real. Isso acontece por causa das sucessivas mutações genéticas pelas quais o vírus está passando. Para se ter uma ideia, o H1N1 que circula no Brasil é diferente do que está presente na Argentina, que, por sua vez, também é diferente do que está atacando nos Estados Unidos.

Essas alterações de características são resultado de um processo normal de evolução de micro-organismos como os vírus, em especial quando se espalham tanto, como está acontecendo com o H1N1. As transformações podem resultar em dois caminhos: o vírus pode ganhar uma versão mais forte, numa estratégia de sobrevivência para conquistar fôlego e continuar sua escalada, ou se tornar um agente mais inofensivo. "Mas a verdade é que ninguém sabe o que acontecerá", diz o infectologista David Uip. Para complicar ainda mais o trabalho dos cientistas, ainda há o problema de se tratar de um vírus novo, com uma composição genética nunca antes registrada (uma combinação de DNA humano, de material genético de porco e de genes de aves).

Por isso, a grande expectativa é em relação à forma que o vírus apresentará na próxima temporada de inverno no Hemisfério Norte, que começa em dezembro. Até lá, ele já circulou muito, e no mundo todo – só até sexta-feira 26, havia mais de 56 mil contaminados no planeta. É esta incerteza em relação ao futuro que deixa os países em estado de alerta, em uma mobilização que pode acabar assustando a população. "No Brasil, por exemplo, não estamos acostumados a tomar medidas de contenção e por isso elas nos causam medo", diz a médica Nancy Bellei.

O que se trava agora, portanto, é uma corrida contra o tempo. Pelo mundo todo, laboratórios estão empenhados em acompanhar as mudanças genéticas pelas quais o vírus está passando para tentar antecipar o que está por vir. Também trabalham para formular uma vacina a tempo de ser usada para a prevenção já na próxima temporada de inverno nos países do norte do planeta. Neste quesito, há boas notícias. Há duas semanas, a indústria farmacêutica Novartis anunciou ter produzido com sucesso um primeiro lote de vacinas contra o H1N1. Esta primeira leva de imunizantes seria usada para a realização de testes clínicos. Na quinta-feira 25, outra indústria farmacêutica, a Sanofi-Aventis, veio a público dizer que vai iniciar a produção em larga escala de outra vacina. No Brasil, o Instituto Butatan também confirmou que até o final deste ano uma nova vacina contra a gripe suína deverá estar disponível.