Na relação de decisões tomadas pela Justiça brasileira que provocam indignação, choque e comoção é difícil encontrar alguma que supere a sentença proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 17 de junho. Ao julgar o processo em que o ex-atleta Zequinha Barbosa e seu assessor Luiz Otávio da Anunciação são acusados por terem feito sexo com três meninas de 13, 14 e 15 anos – a uma delas pagaram R$ 60, a duas R$ 80 para cada uma -, os ministros do tribunal interpretaram que não houve exploração sexual. O assessor de Barbosa foi condenado apenas por fotografar as adolescentes, mas ambos foram absolvidos pela prática de sexo com as adolescentes. O crime ocorreu em 2003, em Campo Grande (MS). O voto do relator do processo no STJ, ministro Arnaldo Esteves Lima, acompanha o entendimento do Tribunal de Justiça sul-mato-grossense. Segundo o texto do tribunal do Estado, não houve exploração sexual porque as meninas "já estão corrompidas" e eram "prostitutas reconhecidas". A sentença do STJ causou revolta em juízes, advogados e militantes pelos direitos da criança em todo o País. "Houve uma interpretação equivocada", critica o juiz federal Francisco de Oliveira Neto, vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. "Infelizmente, hoje o cliente da prostituição infantil está livre de punição."

A Procuradoria-Geral de Justiça de Mato Grosso do Sul já recorreu da sentença ao Supremo Tribunal Federal (STF). Como o trâmite no Supremo é demorado, a decisão deverá continuar valendo por cinco ou seis anos. "Esse é um triste precedente para todos os que atuam na área de Infância e Juventude", diz a procuradora Ariadne de Fátima Silva, que em 2006 acompanhou as investigações e recorreu contra a absolvição. "Estamos perplexos", suspirou ela. Os advogados de defesa, Kátia Cardoso e Renato Rocha, acreditam que a sentença será mantida, apesar do recurso. Na época, Anunciação alegou que não sabia que as meninas tinham menos de 18 anos quando as abordou no ponto de ônibus. Barbosa negou ter feito sexo.

Além da decisão, foi muito criticado o texto que a sustentou, redigido na Justiça estadual e acatado pelo STJ. "Antes de observar apenas o fato de uma adolescente ter se relacionado sexualmente com alguém, responsabilizando este último por um crime, é preciso observar os antecedentes dessa adolescente", registra o documento. "Uma das questões a ser observada são os antecedentes da vítima, e que esta é que pode ter dado causa à prática do crime, consentindo no ato sexual", diz outro trecho, acrescentando que prostitutas "não são mais pessoas que gozam de uma boa imagem". A procuradora Ariadne acredita que é hora de mobilização. "Independentemente da decisão judicial, a sociedade tem direito de interferir, de se fazer ouvir", diz ela.

Uma das meninas, conta Ariadne, começou a se prostituir em troca de xampu e continuou fazendo sexo por dinheiro incentivada pela própria mãe. Essa mesma receita trágica, que mistura pobreza e desagregação familiar, empurra para a rua muitas outras meninas brasileiras. Lamentavelmente, os criminosos que exploram crianças e adolescentes terão a seu favor a jurisprudência criada com a decisão do STJ.


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