Nas famílias brasileiras de classe média, quando os filhos completam 18 anos, os pais vivem o drama do alistamento militar obrigatório. Quase todos temem o prejuízo para o estudo ou o trabalho com a interrupção de um ano para prestar o serviço nos quartéis. Nos lares das classes mais baixas, o tormento é o risco de perder o emprego de soldado para os concorrentes – já que a oportunidade é vista como uma das poucas chances de fugir da exclusão do mercado de trabalho. Entre o pesadelo e o sonho, uma certeza: a obrigatoriedade significa para o cidadão um cerceamento à liberdade de escolha, seja para aqueles sem vocação, seja para os jovens que almejam a carreira militar. Vários países – sobretudo no mundo desenvolvido – aboliram a obrigatoriedade (em tempos de paz) e outros encontraram saídas menos impositivas. Mas o Brasil está atrasado. Bastou a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovar a proposta de emenda constitucional que institui o serviço militar facultativo para homens e mulheres de 17 a 45 anos para provocar uma forte reação do governo.

A derrubada do serviço militar na CCJ é significativa e um sinal de que, no plenário, a tese de que se o alistamento for voluntário só atrairia pobres e analfabetos, como argumentam as Forças Armadas e se agarra o Ministério da Defesa, não é forte o suficiente para convencer a sociedade de que a melhor opção é continuar arrancando a vocação à força, todo ano, de 1,6 milhão de rapazes. "Os jovens de hoje buscam uma carreira cada vez mais cedo. Muitas vezes eles querem servir à pátria, não como soldados, mas como engenheiros e médicos", afirma o deputado Efraim Filho (DEM-PB), relator da emenda.

Além da qualidade do contingente, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica temem uma redução abrupta dos efetivos brasileiros. "Hoje, um país forte é aquele que possui um Exército profissional", rebate Efraim.

Jobim e o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, ao traçar a Estratégia Nacional de Defesa, marcham em direção oposta à proposta de Efraim e determinaram "o reforço" do serviço militar obrigatório.

O gabinete de Jobim está trabalhando nas regras que definirão o novo perfil socioeconômico dos militares, dentro do espírito que Mangabeira chama de "nivelador republicano". O objetivo é evitar que os filhos de políticos ou grandes empresários escapem de se alistar, como sempre ocorreu. O que Jobim e Mangabeira ignoram é que para a elite a retomada de uma carreira ou dos estudos é muito mais fácil. Ao contrário da classe média e daqueles jovens mais pobres que – sem conseguir a vaga de recruta – são empurrados para outras atividades. Até para o crime.

Mas a emenda de autoria do deputado Silvinho Peccioli (DEM-SP)não é uma iniciativa isolada. Há pelo menos oito propostas com conteúdo semelhante tramitando no Congresso. Além disso, aguardam decisão do Supremo Tribunal Federal 41 ações contra o atual modelo de recrutamento, a baixa remuneração dos recrutas e os parcos benefícios. Os processos entrariam na pauta no início deste mês, mas acabaram sendo adiados por pressão da caserna. Mesmo quem já serviu defende a liberdade de escolha. "Servi, mas me arrependi. Eu estava no 3º ano do ensino médio quando me alistei e foi muito cansativo. Perdia várias aulas, e meu desempenho caiu", afirma o designer gráfico Márcio Adriano Souza Silva. Embora diga que aprendeu muita coisa no Exército, Silva, 27 anos, não recomenda a experiência ao irmão mais novo. "Meu irmão tem um bom emprego. Não vale a pena largar o trabalho", diz.

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O mecânico Vanderson Portela, 33 anos, sempre quis servir, mas também concorda que o ideal é o alistamento voluntário. "Quando me alistei, não tinha nem o ensino fundamental completo", diz, refletindo as estatísticas que mostram que apenas 24% dos alistados completaram esse nível educacional.

"Dentro do quartel consegui estudar, aprender uma profissão e viajar para outros países", conta Portela, que acabou ficando nove anos no Exército e chegou a integrar o contingente brasileiro na missão de paz das Nações Unidas em Angola, entre 1995 e 1997. "Mas quem não queria servir acabava dando trabalho e tirando a vaga de quem estava a fim. Acho que seria uma boa se fosse facultativo", comenta.

O administrador Alan Alves Lopes pensa diferente. Vindo de uma família de classe média baixa, ele diz que encontrou no Exército a possibilidade de ter uma profissão e oferecer uma vida melhor para a família.

"Para mim, foi uma boa oportunidade. Me formei e comecei a trabalhar com administração pública, com licitações dentro do Exército", afirma Lopes, que até hoje presta serviço para a caserna. Rafael Wescley, 18 anos, porém, é frontalmente contrário ao serviço obrigatório: "Eu já estou estagiando e ainda estudo à noite. Se tiver que servir, só vou perder."

O estudo "Serviço Militar Obrigatório Versus Serviço Militar Voluntário: O Grande Dilema", dos consultores legislativos Fernando Carlos Wanderley e Sérgio Fernandes Senna, simpático às Forças Armadas, mostra que os países que instituíram o serviço militar voluntário tiveram que elevar salários para atrair os recrutas. Sem dúvida, é um argumento a favor dos militares.

Mas não responde a uma questão básica: pode o País, em tempos de paz, diante dos desafios econômicos do século XXI, dispor de um ano de vida de seus cidadãos de 18 anos e dizer o que é melhor para eles?


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