Três séculos antes da existência de ONGs ambientalistas e das disputas políticas envolvendo a Amazônia, um homem já falava dela – e vivia repetindo a importância de sua preservação. Esse homem, do qual não se conhece nenhum retrato, alertava: "A natureza é finita, pode acabar se não for bem tratada." Mais: a sua paixão pelo meio ambiente era tanta que de sua casa em Portugal ele mapeou a exuberância natural do Brasil sem sequer ter colocado os pés aqui. Escreveu o nosso primeiro tratado de ecologia. Seu nome era Domenico Vandelli, um médico italiano que nascera em 1735 e se mudara para Lisboa aos 29 anos. A partir daí ele se tornou o maior estudioso da fauna e da flora brasileiras no período anterior à proclamação da nossa independência. A sua vida e seu trabalho vêm agora a público através dos oito livros da caixa O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli (Ed. Dantes, R$ 220), organizada pela editora carioca Anna Paula Martins. A coleção será lançada no Rio de Janeiro, na sextafeira 4, numa exposição que o homenageia e inaugura o Museu do Ambiente.

Na época em que viveu, Vandelli era conhecido como um filósofo naturalista. E foi com essa profissão que ele seria admitido na corte portuguesa. Assim que chegou a Lisboa, ele assinou um projeto que se tornaria um marco: o Jardim Botânico da Ajuda, obra encomendada pelo rei dom José I – o local servia também de área de lazer da família real. Na cidade de Coimbra, Vandelli promoveu as "viagens filosóficas", expedições de seus alunos às colônias para catalogar espécies nativas – ele nunca viajou aos novos territórios, mas soube organizar o material que lhe era entregue. "As terras do Brasil não necessitam de pastos artificiais; a mesma natureza ali os produz com mão liberal", escreveu. Íntimo de dom João VI, aconselhava-o também no terreno da economia, ensinando-o a ser sovina nas mordomias e pródigo no investimento científico. Mais: incutia no amigo a idéia de que, se não fosse um bom administrador, poderia acabar guilhotinado, como ocorrera com reis franceses. Sua família continuou próxima do poder. O filho Alexandre, professor de ciências de dom Pedro II, casou-se com Carlota Andrada, filha de José Bonifácio.

Para resgatar essas histórias, Anna Paula organizou uma equipe de dez pesquisadores pelo Brasil, Portugal e França que descobriram preciosidades escritas e desenhadas por boticários, naturalistas e curiosos no século XVIII. Entre eles estava o pupilo Alexandre Rodrigues Ferreira, que passou nove anos explorando a região amazônica e catalogando espécies de animais e vegetais nos rios Amazonas e Negro. Muitos animais eram desconhecidos na Europa, caso do boto e dos tatus, que despertaram grande interesse nos participantes dessa que foi a mais importante expedição organizada por Vandelli.