Primeiro é um pé que avança para a frente, simulando um passo. O outro pé desliza para trás e, na sequência, o movimento é repetido ininterruptamente, dando a sensação de que a pessoa está flutuando de tão leve – andando na lua, como queriam os dançarinos de hip-hop que apelidaram essa dança de “moonwalk”. Michael Jackson passou horas diante do espelho ensaiando esses passos. Queria que eles ficassem perfeitos – “orgânicos”, disse ele – para causar um impacto fulminante na plateia do especial de 25 anos da gravadora Motown, em 16 de maio de 1983. Nesse dia, ele estaria apresentando a música “Billie Jean”, a mais bem-acabada canção de seu álbum “Thriller”, que, àquela altura, já estava há mais de 25 semanas no primeiro lugar nas paradas. Quando Michael Jackson entrou de terno preto, chapéu de feltro, camisa prateada e começou a “flutuar” ao som da incrível linha do baixo da canção, ficou claro para as pessoas a revolução que ela estava anunciando. Para Michael Jackson, música era dança – e tinha que chegar aos olhos, aos ouvidos e ao corpo simultaneamente.

Falar da revolução de Michael Jack son é falar de “moonwalk”, de “Billie Jean” e de “Thriller” porque com esses trabalhos de 1982 ele cravou seu nome definitivamente na história da música. E não apenas em relação a vendagens, porque mesmo artistas medíocres vendem discos. Michael Jackson era um gênio da música porque, ao compor, a canção parecia entrar pelo seus ouvidos e chegar ao seu corpo – e o corpo só é plenamente feliz na dança. “O segredo para ser um compositor maravilhoso é não escrever a música. É deixar a sala livre para a entrada de Deus. Quando eu componho algo e concluo que está perfeito, caio de joelhos e agradeço a Jeová”, disse Michael em sua última entrevista, à revista americana Ebony, em 2007.

As lendas dizem que outro músico teria dito algo parecido. Seu nome era Wolfgang Amadeus Mozart. Todos os historiadores da música pop costumam citar James Brown, Marvin Gaye e Stevie Wonder como as grandes fontes da música de Michael Jackson. Mas nessa mesma entrevista-testamento ele cita uma influência surpreendente, mais próxima de Mozart. Trata-se do músico russo Pietr Illich Tchaikovski. Foi ouvindo seus concertos e sinfonias que Michael teve a ideia de fazer “Thriller”. Dizia ele: “Desde pequeno estudei composição e foi Tchaikovski quem mais me influenciou. Se você ouvir o “Quebra-nozes”, todas as músicas são extraordinárias. Eu quis fazer isso com um disco de música pop. E trabalhei duro para isso.”

“Billie Jean” é o melhor exemplo desse perfeccionismo. Ela começa com um baixo que sugere movimento e vai aos poucos incorporando bateria, violino, guitarras. Logo o ouvido está dominado pelo balanço, carregando com ele o resto do corpo. E é preciso ter um bom ouvido para perceber o preciosismo de Michael e do produtor do disco,Quincy Jones. “Se você observar atentamente, são na verdade quatro baixos fundidos, cada um com uma personalidade diferente e é isso que dá à canção tanta personalidade”, disse o cantor. Uma música seria suficiente para definir a revolução de Michael Jackson, mas em “Thriller” ele abriu caminho para outras revoluções. “Beat it”, por exemplo, que traz o guitarrista de heavy metal Eddie Van Halen, não é mais soul-funk, especialidade dos músicos saídos da Motown. É rock. Essa canção abriu o pop para o cruzamento de ritmos, uma mestiçagem sonora que ainda está em processo. Isso explica por que o desaparecimento de Michael Jackson deixou o meio musical estarrecido. Sem ele, a música ficou menor. Mesmo o ex-executivo da Sony Tommy Mottola, desafeto de Michael, reconheceu: “Ninguém jamais tinha feito o que ele fez na sua época. Ninguém mais fará o que ele fez, encerrada a sua época.”