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A promessa, quando foi criada, é que ela seria a solução moderna para a aviação comercial brasileira. Mas essa sigla, Anac, descoberta pelos cidadãos comuns depois do acidente do Airbus da TAM, de repente se transformou numa grande vilã do caos aéreo que há dez meses assola os aeroportos – e mata passageiros. O governo quer demitir imediatamente, por incompetência, os diretores da Anac, a Agência Nacional de Aviação Civil, instituição criada com a missão de regulamentar o setor. O novo ministro da Defesa, Nélson Jobim, assumiu prometendo que, nesta semana, daria um jeito de afastar diretores da Anac – ou pelo menos esvaziar as funções do órgão. “A tragédia em Congonhas trouxe à tona a suspeita de que os diretores da Anac trabalham para defender os interesses das companhias aéreas, e não da sociedade”, explica o senador Demóstenes Torres, relator da CPI do Apagão Aéreo. Dentro do governo, a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, é a mais revoltada. Numa reunião no Palácio do Planalto, ela propôs decapitar toda a diretoria. “Não pode”, lembrou um dos ministros. Os diretores da Anac foram indicados pelo governo, mas têm mandatos de cinco anos concedidos pelo Senado. “Então vamos desmandatizá-los”, rebateu Dilma, quebrando um lápis com as próprias mãos. Na sexta-feira 27, o presidente Lula mandou um recado à diretoria, dizendo que esperava “um gesto” no sentido da renúncia coletiva.

Os diretores da Anac tentam se eximir de qualquer responsabilidade pela tragédia em Congonhas. Seu presidente, Milton Zuanazzi, esteve na outra CPI do Apagão Aéreo, a da Câmara, na quartafeira 25 para tentar empurrar a culpa da tragédia para a Infraero. Foi hostilizado pela oposição – e ninguém o defendeu. “Vocês deveriam todos pedir demissão”, pregou o deputado Vic Pires, do DEM. “Vocês estão brincando com a vida humana”, atacou o deputado Geraldo Thadeu, do PPS. Dias antes, outra diretora, Denise Abreu, havia dado declarações impertinentes: “Ninguém bateu no ar, tá?”, disse. “Vocês estão confundindo. O acidente é o acidente, o sistema aéreo é o sistema aéreo, não tem nada a ver, na-da a ver linkar tráfego aéreo com acidente.”

A Anac atravessa uma fase de total anarquia. Criada há um ano e meio em lugar do Departamento de Aviação Civil, seus cinco diretores não conseguiram até agora apontar nenhuma saída sensata para o caos aéreo. Estão divididos em duas facções – uma da TAM, outra da Gol. Zuanazzi é homem de confiança de Dilma, mas oficialmente está lá na cota do PTB. Chegou ao posto com a missão de abrir os céus para as empresas estrangeiras e incrementar o turismo. Hoje lidera a facção Gol. Tem a seu lado o diretor Jorge Veloso, coronel da Aeronáutica especialista em segurança de vôo – o único que conhecia o setor antes de chegar à Anac. Veloso foi indicado na cota da Aeronáutica para defender a Varig. Hoje, Varig e Veloso são Gol. Do outro lado, liderando a facção da TAM, está Denise Abreu. Advogada, era assessora de José Dirceu na Casa Civil. O PT a apadrinhou, em articulação da TAM. A seu lado, cerra fileiras o ex-deputado baiano Leur Lomanto. Oficialmente, está na cota do PMDB, afilhado do ministro da Integração Geddel Vieira Lima. A TAM jogou pesado no Congresso e no governo para que ele fosse o primeiro presidente da Anac. Terminou como diretor responsável pela concessão das rotas aéreas. O quinto diretor é o economista Joseph Barat, um consultor de transportes que já trabalhou para a TAM e a Gol. Não teve padrinhos políticos. Hoje segue os votos de Denise. As pequenas companhias aéreas têm reclamado ao comando da Aeronáutica que a Anac tem rateado as melhores linhas aéreas entre a TAM e a Gol.

Com personalidade forte e um “estilo” Dilma de trabalhar, é Denise quem na prática comanda a Anac. Para as companhias aéreas, é a única que estudou em profundidade o setor e que faz um trabalho objetivo. Mas já brigou com assessores, diretores da Anac e parlamentares. Bate boca com Zuanazzi em quase todas as reuniões semanais da diretoria. Dilma já quis removê- la em março, quando Denise se deixou fotografar fumando charuto na festa de casamento da filha de Lomanto. Na intimidade, ela diz que Zuanazzi é o “Rolando- Lero” e que seu aliado Lomanto é “bunda-mole”. Zuanazzi, por sua vez, colocou em Denise o apelido de “Orca Assassina” – pequena e predadora.

Desde a queda do avião da Gol, há dez meses, Lomanto mergulhou. Mantém- se calado nas reuniões, vota com Denise – e depois desaparece em viagens de turismo. Quando caiu o avião da TAM, Denise correu para Congonhas. Lá, acabou convidada para uma reunião de emergência com o vice José Alencar e alguns brigadeiros. “Vamos tomar medidas, o governo não pode ficar calado”, disse ela. Parecia chefe do Executivo. “O governo está calado, não ocupou o espaço que era dele”, queixou-se, apontando o dedo na cara de Alencar. O vice saiu furioso e, de volta a Brasília, pediu a Lula a cabeça de Denise. “Não pode, ela tem mandato do Senado.” Foi nessa ocasião que Dilma prometeu “desmandatizar” a Anac.

As mudanças devem vir nesta semana. O plano A do governo é tentar convencer toda a diretoria a renunciar. A pedido de Dilma, Zuanazzi aceita. Mas Denise, Lomanto e Barat preferem resistir. Têm o apoio explícito, da TAM e da Gol. O plano B do Planalto é enfraquecer a Anac, aumentando as atribuições do recém-criado Conac, o Conselho Nacional da Aviação Civil, órgão do Ministério da Defesa.