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Ingrid Betancourt tinha 41 anos e apenas 2% das intenções de voto para a Presidência da Colômbia em fevereiro de 2002, quando se embrenhou pela rodovia que liga Florencia, capital de Caquetá, a San Vicente del Caguán, área então controlada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Contrariando advertências do governo, que alegou não poder se responsabilizar por sua segurança, ela fora prestar solidariedade ao prefeito de San Vicente, integrante de seu partido, uma organização minúscula denominada Oxigênio. Ingrid acabaria seqüestrada pelo grupo guerrilheiro, junto com sua chefe de campanha, Clara Rojas. Na época, sua audácia foi vista pela maioria dos colombianos como temerária. E, durante quatro anos, seu destino foi praticamente ignorado: ninguém teve notícias dela, que era uma entre centenas de seqüestrados pelas Farc – entre os quais cerca de 50 políticos e militares. Mas, no ano passado, Ingrid ressurgiu no noticiário de maneira dramática: uma mulher de aparência doentia, esquálida, cabisbaixa e desgrenhada, acorrentada a uma árvore na selva amazônica. Junto com essa imagem, uma compungida carta escrita à mãe, Yolanda Pulecio, correu o mundo. ("Travei muitas batalhas, tentei a fuga diversas vezes, procurei manter a esperança como mantemos a cabeça fora d’água. Mas hoje, mamita, sinto-me vencida", dizia). Transformada em mártir, a ex-senadora virou o principal trunfo das Farc. A engrenagem que levaria à sua libertação começou a se movimentar. No início deste ano, depois de uma desastrada mediação do presidente venezuelano, Hugo Chávez, a guerrilha soltou Clara Rojas e outros reféns, sinalizando que as negociações para a liberdade de Ingrid estavam abertas. As esperanças esmaeceram-se depois da ofensiva do governo colombiano, que matou o número dois das Farc, Raúl Reyes, em março, em território equatoriano. Mas, na quarta- feira 2, Ingrid e mais 14 reféns – entre eles três americanos contratados pelo Pentágono – foram resgatados numa espetacular ação de inteligência levada a cabo pelo Exército colombiano a 70 quilômetros ao sul da cidade de San José del Guaviare (leia quadro à pág. 92).

i47500.jpgUma Ingrid sorridente e bem-disposta, vestindo trajes camuflados, era a imagem da transformação de mártir em heroína: "Se eu seguirei servindo à Colômbia como presidente, só Deus sabe", disse. "O que eu quero é ser um soldado a mais a serviço da pátria", disse, com ares de Joana D’Arc pós-moderna. Mostrando um equilíbrio e uma firmeza difíceis de imaginar para quem passou tanto tempo isolada da civilização, Ingrid também mandou recados políticos claros: "Hugo Chávez e Correa (Rafael Correa, presidente do Equador) são aliados importantes neste processo, mas sob a condição de que respeitem a democracia colombiana (…) Os colombianos elegeram Álvaro Uribe, não as Farc." No dia seguinte, contudo, Ingrid fez um recuo tático em suas pretensões políticas. Disse que precisava refletir com a família antes de tomar uma decisão. "Tinha me programado para passar mais quatro anos na selva. A liberdade chegou de surpresa, ainda estou anestesiada", disse. De quebra, e para a decepção de muitos partidários, defendeu o terceiro mandato para o presidente Álvaro Uribe: "Se o povo quiser, qual é o problema?"

Depois de se reencontrar com a mãe e o marido, Juan Carlos Lecompte, Ingrid tomou seu primeiro café da manhã com laranjas. "No cativeiro, não havia frutas, não havia verduras. Há muitos anos não via luz elétrica. Sabão e pasta de dentes eram luxo. Eu me sinto como alguém que voltou de uma viagem à pré-história", contou ela. Por volta das oito horas da quinta-feira 3, ela foi ao encontro dos filhos Melaine, 22 anos, e Lorenzo, 19, que vieram de Paris, onde moram. "O paraíso, o nirvana deve ser algo muito parecido com o que estou sentido agora. Estes filhos são a minha luz, minha lua, minhas estrelas. Por eles, continuei com vontade de sair da selva, para voltar a vê-los", disse entre lágrimas.
 

No dia seguinte, apenas 36 horas depois de ter sido libertada, Ingrid embarcou para a França com os filhos, a mãe e o ex-marido Fabrice Delloye, a fim de se encontrar com o presidente Nicolas Sarkozy e agradecer aos esforços do governo francês pela sua libertação. Desde o ano passado, os europeus, mais principalmente os franceses, tinham adotado a causa da libertação da ex-senadora franco- colombiana como bandeira de luta. Na sexta-feira 4, uma rádio suíça divulgou a informação de que as Farc teriam recebido US$ 20 milhões do governo francês, dinheiro que teria sido usado na operação do Exército colombiano para subornar guerrilheiros. O governo francês negou a informação.

"Eu me sinto como alguém que voltou de uma viagem à pré-história. No cativeiro, sabão e pasta de dentes eram luxo"
Ingrid Betancourt

Filha de Gabriel Betancourt, ministro da Educação e embaixador da Colômbia junto à Unesco em Paris, e de Yolanda Pulecio, que foi miss Cundinamarca de 1955 e depois seria eleita senadora, Ingrid nasceu no Natal de 1961, em Bogotá, mas viveu boa parte da infância e da adolescência na capital francesa. No ambiente familiar respirava política e cultura: Ingrid estudou ciências políticas em Paris. Lá, ela teve um envolvimento amoroso com um professor, Dominique de Villepin, que viria a ser ministro do Exterior da França sob o governo Jacques Chirac e se tornaria peça-chave de uma frustrada tentativa do governo francês de resgatá-la, em 2003. Em Paris, Ingrid conviveu com celebridades como o poeta chileno Pablo Neruda e os conterrâneos Gabriel García Márquez e Fernando Botero. Em 1983, casou-se com Fabrice Delloye e ganhou a cidadania francesa.

Em 1989, separada do marido, decidiu voltar à Colômbia depois do assassinato do candidato do Partido Liberal à Presidência, Luis Carlos Galán. "Ela mergulhou na política, na forma de uma esquerdista dândi, disposta a bater no peito, num gesto de mea-culpa, desde que o peito não fosse o dela", disse na semana passada o etnólogo André-Marcel d’Ans, na revista La Quinzaine Littéraire. Em 1994, Ingrid saiu candidata à Câmara dos Deputados pelo Partido Liberal com um slogan: "A corrupção é a Aids de nossa sociedade." Na campanha distribuía camisinhas. Tornou-se a deputada mais votada do país. Fez greve de fome para protestar contra um escândalo de financiamento ilegal de campanhas políticas. Quatro anos depois, rompida com o Partido Liberal, Igrid fundou o Partido Oxigênio – "ar puro na política" era seu mote. Desta vez, ela distribuiu o medicamento Viagra aos eleitores para "levantar a luta contra a corrupção". Eleita senadora, Ingrid renunciou espetacularmente em 2001, argumentando que o Senado era um "ninho de ratos". Então, candidatou-se à Presidência.

O futuro de Ingrid Betancourt, como o da Colômbia, está irremediavelmente ligado a essa experiência vivida com as Farc. A dura ação do governo contra a guerrilha jogou-a no fundo do poço – este ano, as Farc perderam três membros da direção, entre eles o líder Manuel Marulanda, e sofreram fortes baixas e deserções. Com a libertação de Ingrid, o presidente Álvaro Uribe pavimenta o caminho para calar seus críticos e se cacifa para obter um terceiro mandato. Depois do resgate, sua popularidade atingiu 91% e o governo conseguiu neutralizar o conflito do Executivo com o Judiciário em torno das irregularidades na lei que permitiu sua reeleição. Hoje, na Colômbia, só uma pessoa pode fazer frente a Uribe: Ingrid Betancourt, agora alçada à condição de mito, quase um Nelson Mandela de saias Se ela vai aceitar o desafio é outra história

Em 1989, separada do marido, decidiu voltar à Colômbia depois do assassinato do candidato do Partido Liberal à Presidência, Luis Carlos Galán. "Ela mergulhou na política, na forma de uma esquerdista dândi, disposta a bater no peito, num gesto de mea-culpa, desde que o peito não fosse o dela", disse na semana passada o etnólogo André-Marcel d’Ans, na revista La Quinzaine Littéraire. Em 1994, Ingrid saiu candidata à Câmara dos Deputados pelo Partido Liberal com um slogan: "A corrupção é a Aids de nossa sociedade." Na campanha distribuía camisinhas. Tornou-se a deputada mais votada do país. Fez greve de fome para protestar contra um escândalo de financiamento ilegal de campanhas políticas. Quatro anos depois, rompida com o Partido Liberal, Igrid fundou o Partido Oxigênio – "ar puro na política" era seu mote. Desta vez, ela distribuiu o medicamento Viagra aos eleitores para "levantar a luta contra a corrupção". Eleita senadora, Ingrid renunciou espetacularmente em 2001, argumentando que o Senado era um "ninho de ratos". Então, candidatou-se à Presidência.

O futuro de Ingrid Betancourt, como o da Colômbia, está irremediavelmente ligado a essa experiência vivida com as Farc. A dura ação do governo contra a guerrilha jogou-a no fundo do poço – este ano, as Farc perderam três membros da direção, entre eles o líder Manuel Marulanda, e sofreram fortes baixas e deserções. Com a libertação de Ingrid, o presidente Álvaro Uribe pavimenta o caminho para calar seus críticos e se cacifa para obter um terceiro mandato. Depois do resgate, sua popularidade atingiu 91% e o governo conseguiu neutralizar o conflito do Executivo com o Judiciário em torno das irregularidades na lei que permitiu sua reeleição. Hoje, na Colômbia, só uma pessoa pode fazer frente a Uribe: Ingrid Betancourt, agora alçada à condição de mito, quase um Nelson Mandela de saias Se ela vai aceitar o desafio é outra história.

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