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Quem anda por livrarias já deve ter reparado que não existem muitos títulos relacionados à literatura erótica – aquela que se diferencia da pornografia por conseguir incendiar a imaginação sobretudo pelas situações apenas sugeridas. Para o escritor paulista Flávio Braga, que está lançando três livros nessa vertente – Sade em Sodoma, Eu, Casanova, confesso e Enquanto Petrônio morre (Coleção Placere, Best Seller, R$ 21,90 cada um), esse vazio editorial aumenta à medida que outras mídias assumem a função de excitar corpos e mentes – entre elas destaca-se a internet. Claro que ainda há o brilhantismo de um Philip Roth em cena e sempre se poderá ler ou reler Henry Miller (1891-1980) e Charles Bukowski (1920-1994). Agora, no entanto, por intermédio dessa coleção pode-se também entrar em contato (numa eficiente releitura contemporânea) com clássicos como Os 120 dias de Sodoma (Marquês de Sade), Satíricon (Petrônio) e Memórias de Casanova. O escritor Flávio Braga teve o bom gosto de não adaptar as libertinas histórias para os dias de hoje, oferecendo assim belos registros de uma época amoral, repleta de luxúria e carente de heróis. "O Sade é o autor que foi mais longe. Ele fez o impensável, levou todo o horror humano para a cena", diz Braga. Apesar de ter vivido num tempo em que ainda não se criara a psicanálise (entre 1740 e 1814), o fato é que Sade vislumbrou, em sua fictícia orgia, taras e loucuras sexuais que seriam descobertas e analisadas muito mais tarde.

Além de não sacrificar a imaginação dos autores originais, a nova coleção tem inúmeros outros trunfos. O mais óbvio deles é o poder da síntese. Os livros de Braga, ao contrário daqueles que os inspiraram, têm menos de 200 páginas. Para se ter uma idéia, as memórias de Casanova somam mais de mil e o romance de Sade beira as 400 páginas. As interferências do autor paulista incluem personagens fictícios, criados por ele, como Mathieu, de Sade em Sodoma. É ele quem narra a orgia que durou quatro meses e que contou com nobres, militares e altos representantes do clero. No caso de Satíricon, que acompanha a viagem do perverso Encólpio e dois amigos por bordéis e estações de água do sul da Itália, Braga inverte a ordem dos fatos e dá uma nova vida aos protagonistas após o ato que encerra o livro de Petrônio, que é seu próprio suicídio. Na autobiografia do sedutor Casanova, ele diz ter recontado a história a partir das frestas que o biografado deixou. "Como ele pôde viajar por toda a Europa sem dinheiro? Inventei a hipótese de que ele teria salvado um nobre da morte e que, como pagamento, teria sido bancado por ele – com quem acabou tendo um caso – durante vários anos."

li4.jpgTrabalhar em clássicos dessa estatura significa enfrentar grandes riscos, já que são obras celebradas em todo o mundo. Mas é também dar a si próprio uma grande glória: a de apresentar em linguagem mais acessível a quem não é afeito à leitura alguns textos de grande envergadura. "A minha escrita é mais fácil de ser percebida por um leitor de hoje, principalmente quando se fala em Sade, que é difícil de ler. Pouquíssimos o encararam", diz Braga. O escritor, familiarizado a narrativas do gênero (é autor do romance O que contei a Zveiter sobre sexo), acha que correu um risco maior ainda com Casanova, porque criou outra narrativa para um fato de sua vida real: "Ele é como a Bíblia. É uma figura que se tornou um mito, já passou da categoria personagem." Casanova adorava os prazeres da mesa e do sexo. Não existem retratos dele produzidos durante sua vida, mas as imagens que surgiram nos anos posteriores, baseadas em relatos, o mostram como um homem elegante e de boa estampa. Ele foi amante de centenas de mulheres e pertencia à escola dos libertinos que produziu outros tipos como o marquês de Valmont, por exemplo, mostrado no romance Ligações perigosas, de Chordelos de Laclos. Segundo Braga, Petrônio é o mais interessante escritor erótico entre todos que adaptou:

"Os autores eram todos muito ligados aos poderosos e tinham uma noção falsa de elite. Arrostavam moralidade no senado e, à noite, iam ao encontro de prostitutos nas casas de banho. Petrônio escreveu um romance realista, coisa que não existia na época, e em prosa, numa tradição de literatura lírica".