Prestigio O curso de formação dos respeitados médicos
egípcios podia durar até dez anos

Na última semana, uma equipe de cientistas ingleses partiu para o Egito com uma missão especial: desvendar os segredos da antiga medicina praticada no país dos faraós. A escolha do destino é mais do que justificável. Na Antigüidade, o Egito se destacou por sua excelência na prevenção e no tratamento das doenças. Até habitantes de outros países, como a Grécia, iam para lá em busca de respostas mais efetivas para seus problemas de saúde. Agora, chegou a vez de os pesquisadores da Universidade de Manchester desembarcarem em solo egípcio para descobrir o que tornou essa medicina tão poderosa.

O objetivo é encontrar no passado caminhos que ajudem a tratar as enfermidades atuais. “A medicina do Egito antigo era incrivelmente avançada para o seu tempo. Temos muito o que aprender para usarmos hoje, inclusive sobre remédios que poderiam ser úteis”, afirmou a ISTOÉ Ryan Metcalf, um dos coordenadores do projeto. Um dos focos de estudo será o grupo de plantas terapêuticas usadas pelos médicos egípcios. Entre elas estavam a sene, utilizada como purgativo, e a romã, adotada contra infecções de garganta. A medicina dos tempos dos faraós combinava esse grande conhecimento sobre os benefícios de recursos naturais como plantas e alimentos com crenças e religião. Os antigos egípcios acreditavam que as doenças eram provocadas por espíritos malignos, por limitações orgânicas evidentes, como traumatismos, ou teriam origem desconhecida, atribuída aos caprichos dos deuses. Por isso, o sucesso dos tratamentos dependia também da prática de rituais de magia por meio dos quais se objetivava a limpeza espiritual do paciente e se pedia a intercessão divina. Três divindades estavam associadas à saúde: Ísis, Osíris e Sekhmet.

Outro aspecto de destaque era o cuidado na formação dos médicos. O aprendizado era feito nas chamadas “casas da vida”, construídas ao lado dos templos. Nesses locais eram aceitos estudantes e médicos de outros países interessados em aprimorar seus conhecimentos. O curso podia durar até dez anos. O esforço valia a pena. Os médicos representavam uma das categorias mais respeitadas da sociedade de então. E a maioria se especializava no tratamento de um órgão.

O sistema de funcionamento da assistência à saúde estava regulado desde a época de Imhotep (2980 a 2900 a.C.), espécie de primeiro-ministro do faraó Zoser, da Dinastia III, e considerado o pai da medicina egípcia. Além da determinação dos mecanismos de formação médica, os egípcios contavam com um razoável plano de diagnóstico. Ele consistia em fazer perguntas ao doente de maneira lógica e com paciência. Depois, o médico devia investigar o histórico dos familiares. A partir disso, traçava-se o tratamento.

Uma das áreas de maior desenvolvimento foi a oftalmologia. Isso se deveu ao fato de as doenças oculares serem muito freqüentes. Em especial a chamada “cegueira do deserto”, hoje conhecida como tracoma, mal causado pela bactéria Chlamydia trachomatis. Outra contribuição expressiva foram os conhecimentos sobre anatomia gerados a partir da manipulação dos corpos durante o embalsamamento e a mumificação. Foi durante esses procedimentos que os egípcios descobriram detalhes de funcionamento e disposição dos órgãos até então desconhecidos. “Eles também dominaram o mecanismo de conservação dos tecidos humanos, algo até hoje não completamente desvendado”, afirma o geneticista egípcio Nagib Nassar, professor da Universidade de Brasília e radicado no Brasil desde 1974.

Parte de todo esse conhecimento está registrada em papiros guardados em museus pelo mundo afora. O mais importante é o Papiro de Ebers, assim denominado em homenagem ao egiptólogo alemão Georg Ebers, responsável por sua tradução, em 1873. Organizado entre 1536 e 1534 a.C., o papiro é o mais representativo documento sobre a antiga medicina egípcia. Nele estão descritas diversas terapias, informações sobre anatomia, técnicas cirúrgicas e centenas de plantas usadas pelos médicos de então. Mesmo assim, a ciência atual ainda tem muitas perguntas sobre a prática antiga. Espera-se que os ingleses consigam responder a pelo menos parte delas.