i47488uuu.jpgEnvolvido com o lançamento de seu novo disco, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, sumiu do gabinete em Brasília. Embora desde 2003 tenha conseguido conciliar a vida pública com a carreira artística, este ano Gil resolveu dar "aquele abraço" para seus compromissos governamentais e dedicar-se de corpo e alma às turnês internacionais. Em junho, o ministro-cantor simplesmente não apareceu na Esplanada dos Ministérios. Desde o início do mês, esteve licenciado, "de férias não-remuneradas", como prefere dizer, para apresentar o álbum Gil luminoso a europeus e americanos. O mesmo já havia ocorrido em E abril e se repetirá este mês. Consulta feita por ISTOÉ à agenda do ministrocantor mostra que no fim de julho, quando encerrará mais um périplo pela Europa a fim de divulgar o CD Banda larga cordel, Gil terá passado mais tempo de licença – três meses e meio – do que em atividades oficiais em 2008, se forem contados os dias em que efetivamente despachou como ministro.

Em abril, o ministro fez shows na França (dias 5 e 6), Suíça (8), Tunísia (10), Espanha (12 e 14) e em Portugal (17 e 19). Em junho, a turnê européia começou em Serpa, Portugal (5), e seguiu para a Ilha da Madeira (10), sendo concluída nas cidades de Salamanca e Zaragoza, na Espanha (12 e 15). No dia 18, Gil já estava na América do Norte, onde percorreu Michigan (18), Nova York (24) e Quebec (26). Este mês, Gil voltou a se apresentar em cidades e Estados americanos como São Francisco (2), Colorado (3) e Flórida (5). A partir do dia 8, estará mais uma vez na Europa para shows em Girona e Valência, na Espanha (8 e 9). No dia 19 irá cantar em Beitedin, no Líbano. No total, Gil terá percorrido até o dia 31 deste mês mais de 60.745 quilômetros, o que corresponde a uma volta e meia ao redor do mundo.

No Palácio do Planalto, as constantes licenças do ministro-cantor têm irritado o presidente Lula, segundo relato de auxiliares. A preocupação aumenta, ainda de acordo com os mesmos assessores, quando técnicos do governo se debruçam sobre os números do Ministério. Até o final de junho, conforme dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), a Pasta só havia executado 12,8% do seu orçamento para 2008, desconsiderados os chamados restos a pagar de anos anteriores. O programa Livro Aberto, por exemplo, cuja meta é implantar bibliotecas públicas em todas as cidades do Brasil, só executou 4% do disponível para este ano. No Ministério da Cultura, os funcionários comentam que Gil é um ótimo embaixador da cultura brasileira e que seria humanamente impossível conciliar as duas tarefas.

Entre os funcionários, há quem revele constrangimento com os sumiços do ministro da Cultura. "Hoje em dia, é mais fácil achar o Gil no YouTube. É só digitar "Tropicália" ou "Por isso eu vou na casa dela-aiá", brincou um executivo do Ministério que pediu para não ser identificado. Até entre os artistas, Gil deixou de ser unanimidade. A atuação do ministro foi criticada pelo poeta Ferreira Gullar, pela cantora Maria Bethânia, pelo percussionista Carlinhos Brown, pelo cantor Lobão e até mesmo pelo amigo Caetano Veloso. "No Ministério, o cachê dele aumentou, ele passa 80% do tempo fora do Brasil e as pessoas acham normal. Parece o Roberto Jefferson, um escândalo como o mensalão. Se ainda estivesse fazendo alguma coisa como ministro, mas não está fazendo droga nenhuma", disse o polêmico roqueiro Lobão, em recente entrevista.

Desde o início do ano, quando as viagens foram intensificadas, as principais atividades da Pasta são comandadas pelo secretário-executivo, Juca Ferreira, pessoa da estrita confiança de Gil e que desembarcou com ele na Esplanada em 2003. Ex-líder estudantil, ex-vereador pelo PV e secretário municipal do Meio Ambiente de Salvador do governo Lídice da Mata, Juca não gosta de alardear poder. Mas tem carta branca do titular para tomar decisões em nome do Ministério. Na terça-feira 1º, foi Juca que, ao lado do governador de Sergipe, Marcelo Déda, lançou no Estado o programa Mais Cultura, considerado o carro-chefe da Pasta. Conhecido como PAC do setor, o programa prevê a instalação de quatro mil pontos de leitura em todo o País e oferece especialização na área de artes para gestores públicos e privados. No dia 18 de junho, enquanto Gil divulgava seu disco para uma seleta platéia em Michigan (EUA), Juca discutia com a secretária- executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, o comitê gestor da internet no Brasil.

Juca avalia que o trabalho de Gil como artista não atrapalha o andamento to do Ministério. Pelo contrário, lhe confere mais reconhecimento. O secretário-executivo diz que essa função, de ministro e artista, acontece também em outros países. E dá o exemplo do Chile, onde o ministro da Cultura é diretor de teatro; da Holanda, onde o cargo é ocupado por um roqueiro; e da Coréia, em que um cineasta exerce a função. Gil, por sua vez, argumenta que avisou o presidente Lula que teria de se ausentar do País com maior freqüência, em encontro no Palácio do Planalto, em novembro de 2007. Na ocasião, Gil chegou a anunciar a decisão de abandonar o Ministério. "Falei sobre a necessidade de me afastar para retomar as coisas relativas à minha vida artística, mas aceitei as ponderações do presidente amparadas por uma manifestação razoavelmente ampla de setores culturais do Brasil e da população brasileira. Foi isso que me convenceu a continuar", justificou o compositor.

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Um dos ícones do tropicalismo, movimento cultural que revolucionou a música popular brasileira na década de 60, Gil vai deixar um imenso legado à cultura nacional. Para tanto, não precisa necessariamente de cargo no governo, e muito menos desgastar sua honrada biografia por dedicar-se mais às turnês do que ao Ministério da Cultura, uma atividade pública que requer dedicação diária. Se o governo Lula pretende dar prioridade à política cultural, até quando vai manter na Pasta um ministro meramente decorativo? Gil é, mas não está mais ministro da Cultura.

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