A trama psicológica que leva um ser humano em aparente posse de suas faculdades mentais a tirar a própria vida tem sido matéria-prima de algumas das mais impressionantes obras da literatura universal. De Goethe a Tolstoi, de humilhados a heróis, a morte auto-infligida, por ato violento ou puro abandono da vontade de viver, surge recorrente como uma das grandes preocupações da humanidade ao longo de sua história. E é a busca pelas causas mais recônditas que levam a tal gesto que permeia o romance Os suicidas (Globo, 164 págs., R$ 32), do excelente, mas ainda pouco reconhecido, escritor argentino Antonio Di Benedetto (1922-1986).

Contemporâneo de grandes autores como
Borges, Benedetto sofreu na carne os anos de
chumbo da ditadura argentina, vivendo os dramas da prisão política e do exílio. Sua obra, entretanto, nunca sucumbiu à tentação fácil da exploração das trevas. Mesmo ao lidar com um tema naturalmente mórbido, como o suicídio, o autor consegue manter o olhar frio sobre os personagens, freqüentemente ridicularizando-lhes as obsessões e o excesso de auto-indulgência. O cinismo do narrador de Os suicidas – um jornalista cujo pai se suicidou aos 33 anos e que, às vésperas de ele mesmo completar essa idade, se vê compelido pelo diretor da agência de notícias onde trabalha a fazer um amplo levantamento sobre os suicidas da temporada – é uma espada brandida constantemente sobre a cabeça do leitor. Não se permite ao personagem a auto-comiseração, mas se lhe prepara uma saída alternativa ao destino que acredita estar a sua espera.

À medida que a narrativa se desenrola, as demais personagens se mostram em toda a sua entediante irrelevância, proposital para criar junto ao leitor o desejado clima de inutilidade da própria vida. Não importam, a quem pressente que está a um passo de sair da vida, o amor eterno ou o pretenso pudor social. A vida morna dos que rodeiam o narrador é quase um grito de desencanto contra a mediocridade que permeia a existência da maioria das pessoas. É difícil não ver refletido, em um ou outro personagem dos que se esbarram ao longo da história, um parente, amigo ou amor de quem lê. Deixar o leitor desconfortável, provocar-lhe a inquietação social, vale ressaltar, é um dos grandes méritos da obra de Di Benedetto. Uma obra que só agora começa a chegar ao Brasil com o respeito que merece.