A gestão de Pedro Corrêa do Lago na presidência da Biblioteca Nacional não pára de render surpresas. À frente de um acervo de dez milhões de peças e orçamento de R$ 30 milhões anuais, ele já foi acusado de várias barbeiragens. Funcionários da biblioteca responsabilizam seu presidente pela má conservação das obras e pelo relaxamento na segurança. Em julho, quando as câmeras de vídeo estavam quebradas, foram roubadas 150 imagens do Brasil do século XIX. “O desleixo desta gestão propiciou o furto”, critica Rutonio Sant’Anna, diretor da associação de funcionários da instituição. Um dos imbróglios mais comprometedores é a revista Nossa História, lançada em novembro de 2003, em associação com a Administradora e Editora Vera Cruz Ltda. Na capa, lia-se que era “uma publicação editada pela Biblioteca Nacional”, mas nenhuma licitação foi feita para legalizar a parceria. ISTOÉ denunciou o fato em julho de 2004 e meses depois o Ministério Público Federal iniciou uma ação de improbidade administrativa contra Corrêa do Lago. Só agora, no entanto, compreende-se seu real objetivo: no dia 29 de outubro de 2002, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial recebeu um pedido de registro da marca Nossa História em nome da Livraria Corrêa do Lago Ltda., editora que pertence ao presidente da BN. “Ele colocou o interesse público a serviço do privado”, acusa o procurador Maurício Manso, que nos próximos dias vai pedir à Justiça o afastamento cautelar de Corrêa do Lago.

Irregularidades –O presidente da BN está em Paris, onde é curador de uma exposição. Na quarta-feira 28, quando ele ainda estava em solo francês, o Ministério da Cultura e a Controladoria Geral da União criaram um grupo de trabalho para investigar as denúncias contra sua administração. Várias delas já foram confirmadas por uma investigação da CGU cujos resultados foram encaminhados ao Tribunal de Contas da União. ISTOÉ teve acesso às informações. Os auditores concluíram que a revista Nossa História foi produzida de forma ilegal, sem licitação e com a utilização irregular de funcionários e acervo pela Editora Vera Cruz. Confirmaram também que a BN fez contratações indevidas, a pretexto de terceirização pela Fundação Miguel de Cervantes. A fundação, que deveria apoiar a biblioteca, foi beneficiada com transferências ilegais de recursos, muitas vezes superiores a R$ 50 mil mensais. Foram constatadas também irregularidades no uso dos recursos da Lei Rouanet por parte da Editora Capivara, que também pertence a Corrêa do Lago, em sociedade com sua mulher.

Não consta do relatório o pouco caso com o valioso acervo da BN, a oitava maior do mundo e principal referência da memória brasileira. Suas estantes guardam, por força de lei, todos os livros e periódicos editados no País desde o Império. Além do valor
cultural, o valor monetário é considerável. Várias peças furtadas em junho tinham preço estimado em US$ 100 mil a unidade. Os repórteres de ISTOÉ tiveram acesso aos armazéns nos quais são guardadas as obras raras. Para os funcionários, o estado de conservação é lastimável. Enquanto Corrêa do Lago gasta dinheiro (cerca de R$ 100 mil) para transformar em gabinete o corredor do quinto andar – inclusive instalando vidraças e interferindo de forma desastrada no conceito arquitetônico do prédio, inaugurado em 1910 – e reformar os banheiros, faltam recursos para cuidar do acervo. “São originais de obras que guardam a História do Brasil. A danificação dessas peças é uma perda inestimável”, avalia Rutonio Sant’Anna.

Os sinais de pouco caso com o acervo são evidentes, mas o principal foco do MP Federal é mesmo o pedido de registro da revista Nossa História. Para o procurador Manso, Corrêa do Lago usou a respeitabilidade da instituição para valorizar e dar visibilidade a uma publicação com a qual ele planejava engordar a renda de sua editora. A estratégia só não deu certo porque a Transamérica Produções, empresa do mesmo grupo da Editora Vera Cruz, fez o pedido de registro da marca 13 dias antes. O lançamento de Nossa História aconteceu em cerimônia que contou com a presença do ministro da Cultura, Gilberto Gil. A revista foi inclusive citada por Gil no discurso em que listou os feitos de seu primeiro ano no governo.

A parceria entre a Vera Cruz e a BN foi rompida e uma nova publicação foi lançada: a Revista de História da Biblioteca Nacional que acabou sendo objeto de processo por parte da editora, sob acusação de que o projeto gráfico era plágio da publicação anterior. Corrêa do Lago mudou o layout da nova revista. O pior: ISTOÉ colheu no site do Inpi a informação de que a Livraria Corrêa do Lago Ltda. também pediu em 29 de outubro de 2002 o registro da marca “Revista de História”. “É um expediente parecido com aquele usado na publicação anterior”, avalia o procurador Maurício Manso. Através de sua assessoria de imprensa, ISTOÉ tentou contato com Corrêa do Lago em Paris. A assessoria repassou a resposta da “diretoria da Fundação Biblioteca Nacional”, pela qual a instituição não pediu registro de marca em seu nome e não pode responder por terceiros. O terceiro, nesse caso, é Corrêa do Lago. Informa também “que o local onde estão armazenados os periódicos foi reformado recentemente, não há goteiras e atualmente está sendo feita uma revisão nas calhas dos telhados”. As imagens publicadas nesta reportagem mostram o contrário.

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