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O debate em torno de questões polêmicas sempre rende acaloradas discussões no Congresso. Não foi diferente, na semana passada, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados terminou por rejeitar dois projetos pró-aborto. As propostas, que tramitavam juntas, legalizariam o ato e obrigariam a rede hospitalar pública a realizá-lo. Hoje, apesar de ilegal, mais de um milhão de abortos são realizados por ano no Brasil. Apenas quatro deputados votaram a favor, enquanto outros 30 seguiram a posição do relator, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e consideraram as propostas inconstitucionais. As manifestações dos grupos pró e contra o aborto conferiram contornos teatrais ao debate. Enquanto ativistas favoráveis se amordaçaram com lenços roxos, o deputado evangélico Carlos William (PTC-MG) discursou com duas bonecas que simbolizavam crianças nos braços e ainda exibiu um caixão de bebê.

Os projetos ainda podem ser encaminhados ao plenário, caso um décimo dos 513 deputados federais se manifeste a favor de que eles sejam votados por todos os parlamentares. Parte do quarteto a favor das medidas e defensor histórico da descriminalização da prática, o deputado José Genoino (PT-SP) começou a colher as assinaturas necessárias no mesmo dia.

A forte atuação da bancada religiosa sobressaiu nas três horas de discussões, presenciadas por uma maioria contrária às propostas. "Toda mulher pode ter direito ao seu cabelo, à sua unha, mas não ao feto que carrega no ventre", disparou Cunha, ao rebater argumento de que a mulher deve ter autonomia para tomar decisões relativas ao próprio corpo. Ele já havia apresentado seu parecer em sessão anterior, realizada em 2 de julho, alegando que as medidas ferem a Constituição, pela qual está assegurada a inviolabilidade do direito à vida. Ao final da sessão, os católicos rezaram o Pai-nosso de mãos dadas.

Derrotados, os pró-aborto questionaram a composição majoritariamente masculina da CCJ (havia apenas uma mulher na comissão) e o caráter religioso que norteou os discursos. O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) divulgou nota qualificando a rejeição como "mais uma demonstração de desrespeito à democracia, à laicidade do Estado e à vida e liberdade das mulheres por parte de setores do Legislativo." Pela Constituição em vigor, a prática do aborto no País é crime e só é permitida em duas circunstâncias: nos casos de violência sexual e nas gestações em que há riscos à vida da mulher.