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Rio de Janeiro, início da madrugada da quinta-feira 3. Fogos de artifício irrompem em cores e estrondos nos céus da Cidade Maravilhosa. Momentos antes, a finalíssima da Taça Libertadores da América terminara de forma dramática, em cobrança de pênaltis. Quem não soubesse do resultado da partida deduziria que o Fluminense, um dos times mais populares do Estado, sagrara-se campeão do mais importante torneio sul-americano interclubes. Ledo engano: a equipe equatoriana da Liga Desportiva Universitaria (LDU) venceu a disputa, e a barulhenta comemoração era toda proporcionada pelos rivais do tricolor carioca, em especial os flamenguistas. Nas semanas que antecederam os jogos decisivos, os mais fanáticos deles criaram a Liga dos Urubus (o mascote dos rubronegros), uma torcida organizada cujo único intuito era secar o Fluminense, no sentido mais popular da gíria (leia-se: rogar má sorte).

Não foi a primeira vez que os flamenguistas fundaram uma torcida especificamente para "urubuzar" as aspirações alheias, assim como por todo o País sempre houve quem torcesse contra. Mas nunca esta cultura esteve tão em voga. Se nos anos 60 o Santos de Pelé e o Botafogo de Garrincha arrastavam multidões de torcedores rivais para os estádios, hoje prevalece a máxima do "se eu não posso, ninguém pode". "A sociedade brasileira está muito voltada para o próprio umbigo, não se pensa mais no coletivo, e isso se reflete no futebol", diz o sociólogo Mauricio Murad, autor do livro A violência e o futebol. "Na Copa de 1954, o chefe da torcida Charada Rubro-Negra, Charles Carvalho, foi escolhido por fãs dos times rivais para representar o torcedor brasileiro na Suíça. Atualmente, isso é inimaginável."

Há quem veja graça na tendência agourenta. O jornalista e escritor Xico Sá criou o personagem Edgar – um corvo sempre pronto para secar os times favoritos, que ganha versão animada pelas mãos do cartunista Caco Galhardo nas noites de quarta-feira, na mesa-redonda do Cartão Verde, na TV Cultura. "Tirar onda com o adversário recupera uma das graças do futebol de outrora, quando os rivais iam juntos ao estádio. Inaceitável é descambar para a violência", afirma. Para Sá, a péssima qualidade dos times brasileiros ajuda a popularizar a prática. "O futebol bonito mata o secador. Era uma dificuldade torcer contra o São Paulo de Telê Santana porque a bola rolava redondinha e eu sempre terminava por me render. Mas, do jeito que estão jogando hoje, vamos virar a pátria dos secadores", diverte-se.

Quem aderiu à moda dos agourentos ganhou bons argumentos com a série de livros escritos por Luís Pimentel, ex-Pasquim, MAD e Bundas. Dois deles, Piadas de sacanear palmeirense e Piadas de sacanear corintiano, são os maiores sucessos de venda da editora Mauad em 2008. "Nenhuma delas chuta a canela ou xinga a mãe do adversário. As piadas remetem apenas ao humor sadio", explica Pimentel. O próximo volume da coleção deve ser dedicado a atazanar os torcedores do Fluminense e não sairá antes do final do ano – único alento para os tricolores cariocas, que, vice-campeões sul-americanos e últimos colocados no Brasileirão, já não agüentam mais tanta tiração de sarro.

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