Exatamente às 21h07 da quarta-feira 28, o Planalto pôs a mão no leme da desgovernada nau política. Naquele momento, o placar do segundo turno da eleição do presidente da Câmara marcava o resultado final: 258 votos para Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o candidato do governo, contra 243 votos para José Thomaz Nonô (PFL-AL), o candidato da oposição. O ex-ministro da Articulação Política assumia o comando da Câmara uma semana depois da renúncia de Severino Cavalcanti (PP-PE), o ícone do baixo clero que sete meses antes tinha imposto ao governo uma derrota devastadora, até virar pó: renunciou para escapar de uma inevitável cassação como corruptor de dono de restaurante. Da saída de Severino à entrada de Aldo no palco da Câmara, o governo Lula passou do inferno ao paraíso. “A vitória de Aldo encerra uma trajetória de derrotas. Vamos restabelecer o diálogo e o governo vai retomar a iniciativa”, comemorou o líder do PCdoB, deputado Renildo Calheiros (AL). Ao ver a vitória na tevê, o ministro Jacques Wagner (Relações Institucionais) irrompeu chorando no gabinete de Lula: “Não vendi minha alma nem seu governo, presidente!”

A vitória por apenas 15 votos, num plenário de 509 deputados, oxigena os pulmões de um governo contaminado há cinco meses por uma renitente crise ética que corrói as entranhas do PT, envenena a atmosfera política e trava as pernas da administração federal. Sai o linguajar tosco do folclórico Severino, entra a palavra mansa e articulada de Aldo, o primeiro comunista a assumir o terceiro cargo na sucessão da República. A amarga omissão do Planalto que resultou na vitória de Severino em fevereiro foi compensada pelo doce sabor de uma vitória turbinada pela ação determinada do governo. Lula parou de fingir que a eleição da Câmara não tinha nada a ver com o Executivo e jogou o peso da máquina na votação. Seu primeiro passo foi garantir a Severino que seus afilhados não seriam guilhotinados. Escolado pelo desastre anterior do PT, Lula desinflou a candidatura do líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (SP).

Livre do perigo interno, o Planalto começou a tratar do perigo externo – o deputado Michel Temer (SP), presidente do PMDB, um político que não tem a confiança de Lula. O próprio ministro Wagner achava que Temer seria o nome de consenso da Casa, mas acabou atropelado pelo veto maciço das bancadas governistas (PT, PL, PTB e PP). O tiro fatal veio de dentro de casa, mais precisamente do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) que trabalhou pesado pelo conterrâneo Aldo. Temer revidou a traição atirando em Renan da tribuna da Câmara: “Esta Casa não pode ser sucursal do presidente do Senado ou do Planalto.” Temer levou a bancada do ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PMDB) a descarregar cerca de 40 votos em Nonô – produzindo um empate de 182 votos no primeiro turno que deixou o Planalto tenso e a oposição, eletrizada. Orientado por Lula, o governo em duas horas – tempo que separava o primeiro do segundo turno – reverteu votos preciosos da oposição. Para amansar o PL, o governo dobrou a Fazenda e descontingenciou R$ 700 milhões do Ministério dos Transportes, gerenciado pelo partido. Emissários do Executivo desembarcaram no Congresso, solícitos como nunca, para rever e atender os pleitos dos deputados mais aflitos. Até quem não era mais deputado foi beneficiado: Valdemar Costa Neto, presidente do PL e um dos mensaleiros, que renunciou há 58 dias, conseguiu faturar um repasse de R$ 100 mil. Também Severino, que renunciou no dia 21, conseguiu destrancar os cofres (leia quadros acima). Nos últimos 15 dias, por coincidência, uma centena de parlamentares teve o mesmo privilégio.

Lula não sabe, mas ele deve a vitória de Aldo a quem não tem mandato – Marisa, sua mulher. Cinco minutos antes de abrir o segundo turno de votação, o decisivo PTB ameaçou rachar em favor de Nonô. Dona Ika Fleury, mulher do candidato petebista, irrompeu na reunião da bancada para pregar a rebelião: “Fleury não pode ser o caudatário de Lula”, disse, ante o silêncio geral. Quem enfrentou a mulher foi o próprio marido, que lembrou o veto do PT ao seu nome, em 1990, na disputa pelo governo paulista contra Maluf (PP). “Mas dona Marisa, mulher do Lula, me procurou no comitê, pediu votos na rua e votou em mim. E eu ganhei a eleição. É por ela que vou votar em Aldo. Por lealdade a dona Marisa!”, rebateu Fleury. Dona Ika engoliu em seco. Quando a vitória foi consagrada com 30 votos petebistas, o celular de Fleury tocou. “Obrigado! A vitória de Aldo é uma vitória sua”, proclamou um agradecido Lula.