i48706.jpgPor mais de dez anos, o chef americano Brian Price se esmerou em elaborar os melhores pratos, mas nunca soube a opinião de quem os provou. De 1989 a 2003 ele foi o detento responsável pela preparação da última ceia de 211 homens no corredor da morte mais sangrento dos Estados Unidos, o da penitenciária de Huntsville Unit, no Texas. Hoje, cinco anos após zerar sua dívida com a Justiça, Price inaugurou o primeiro restaurante Way Station, na pacata cidade texana de Crockett – onde mora em uma casa à beira de um lago com sua terceira esposa. "Gosto da idéia de poder ouvir elogios e críticas aos pratos que preparo", diz o chef de 57 anos. A experiência do ex-presidiário como cozinheiro de condenados à pena capital resultou no livro Meals to die for (Refeições de matar), lançado em 2004, nos Estados Unidos. "Me tornei uma celebridade na cidade onde moro por causa da minha notoriedade infame que percorreu o mundo", conta. Graças ao status conquistado por seu proprietário, o Way Station está sempre lotado, desde a inauguração, em abril deste ano. "Vem gente de outras cidades para provar minha comida", comemora.

Além de cuidar do restaurante, onde comanda as caçarolas e toca baixo em uma banda gospel, o ex-detento finaliza sua segunda obra, The price you pay (O preço que você paga). Trata-se de um romance fictício, baseado em fatos reais, cujo pano de fundo é um suposto esquema de corrupção no sistema penitenciário americano. Os livros de Price não estão disponíveis no Brasil e só podem ser adquiridos pelo site do autor, que ainda é a estrela do documentário suíço The last supper (A última ceia), da dupla Bigert & Bergstrom, de 2005.

Condenado por seqüestro – após uma briga com sua segunda esposa, Price forçou o cunhado a levá-lo até ela usando uma arma de fogo – e abuso sexual, ele cumpria a pena pelo primeiro crime em liberdade condicional e ganhava a vida como fotógrafo e músico. Até cometer outro delito. Após uma noite de bebedeira desenfreada em uma sexta-feira 13 de 1989, foi acusado pela ex-mulher de estupro por uma noite de sexo que ele garante ter sido consensual. O incidente o fez amargar uma pena de 14 anos e 2 semanas. "O governo fez a população acreditar que era necessário construir muitos presídios. Fiquei todo esse tempo preso porque era preciso mantê-los cheios", justifica. Segundo o chef, a ex o denunciou para ele não ir atrás da filha do casal, Dana, que havia fugido grávida com o namorado.

i48707.jpgQuando chegou à cadeia, Price não tinha experiência em gastronomia. Foi escalado para trabalhar na cozinha e aprendeu o que sabe na área graças ao chef quatro-estrelas Terry Parrack, seu companheiro de prisão. Experiente, deixou de ser assistente para criar pratos com nomes irônicos como "frango à câmara de gás", "batata frita obituário" e "gulash guilhotina" – o cardápio de seu restaurante, por sua vez, usa nomes convencionais e oferece, por exemplo, hambúrguer e onion rings (cebola empanada frita).

Para cozinhar para os condenados à morte, Price seguia um ritual. Concentrado e em silêncio, preparava a refeição, embalava as bandejas e, como cristão fervoroso que é, rezava pela alma do condenado na presença da comida. "Era um momento sombrio, eu cozinhava enquanto tentava perdoar", conta. Geralmente era assim que funcionava, mas houve uma exceção. "Apenas uma vez pedi para não cozinhar para um homem, pois ele havia assassinado quatro crianças com uma faca de açougueiro", lembra. As pequenas vítimas eram conhecidas dele, pois costumavam brincar na companhia de sua única filha. "Eu senti que não conseguiria preparar a refeição com a mesma paixão que costumava ter." Ele não precisou anunciar a recusa, porque o condenado recusou a refeição.

i48708.jpgNo livro Meals to die for, o autor conta que a maioria dos homens perdia a fome a caminho da injeção letal: a comida era recusada ou a bandeja permanecia intacta. Entre os que aceitavam, os pratos preferidos costumavam ser as comfort foods – aquelas que remetem à infância, por exemplo. Seu maior sucesso era filé de frango empanado. Bem-humorado, Price se considera um homem privilegiado. Ele divide sua vida entre antes e depois da morte do irmão, soropositivo, quando ainda estava preso. "Meu pior momento na prisão foi quando tive de me despedir de meu irmão no leito de morte por meio de um telefonema de seis minutos", conta. "Aquilo mudou a minha vida para sempre."