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As regiões onde os sem-terra estão mais organizados e costumam promover invasões não são as mesmas que o governo usa para fazer a reforma agrária a partir dos assentamentos. Essa é a constatação de um levantamento chamado Geografia das Ocupações de Terras, feito pelo Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária, Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Enquanto os sem-terra ocupam propriedades no Centro-Sul e em algumas áreas do Nordeste, o governo concentra assentamentos na região Norte", aponta o professor Bernardo Mançano Fernandes, coordenador do estudo. Entre 1995 e 2006, o governo fixou um milhão de famílias e o Norte do Brasil foi o responsável por 40% dos assentamentos. Os mapas das invasões e dos assentamentos (leia abaixo) ilustram com exatidão a divergência entre as ações dos sem-terra e a realidade da reforma agrária. Outra constatação feita pelo estudo da Unesp é que o número de invasões é maior do que o governo supunha. Entre 1988 e 2007 foram promovidas 7.561 ações de ocupação de terras no País, o que representa mais de uma invasão por dia. Na lista das áreas campeãs em ocupações, o Pontal do Paranapanema (SP) aparece no topo. Só no município de Mirante do Paranapanema foram registradas 171 apropriações de terras por movimentos organizados. "Existe um histórico de formação de grupos de luta, com mais proeminência o MST, que têm mais solidez organizativa nos Estados do Sul e a partir dos anos 90 na região do Pontal do Paranapanema. É nessas áreas que o MST mais consegue recrutar", diz Zander Navarro, sociólogo e estudioso da questão agrária no Brasil.

Os números e os mapas são irrefutáveis. Mas nem tudo o que está no estudo é consenso. Segundo Fernandes, o grande vilão da reforma agrária deixou de ser o latifúndio e agora se chama agronegócio, a menina-dosolhos do presidente Lula em tempos de biocombustíveis e choque do petróleo. "Com o desenvolvimento desse modelo adotado pela economia agrária brasileira, a tendência é que os conflitos agrários aumentem nos próximos anos", analisa o coordenador do estudo. Trata-se, porém, de uma afirmação polêmica. "Não faz o menor sentido dizer que o agronegócio é o vilão da reforma agrária. Na verdade, o agronegócio ocupa mais mão-de-obra, produz mais alimentos e, portanto, diminui os conflitos. Isso faz com que o MST fique deslocado no tempo", afirma o deputado Ônyx Lorenzoni (DEM-RS), presidente da Comissão de Agricultura da Câmara.

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Ao constatar quais são as regiões onde estão sendo promovidos os assentamentos, o estudo acaba mostrando que as organizações de sem-terra estão também deslocadas no espaço. Na região Centro- Sul, os movimentos encontraram terreno fértil para se organizar, uma vez que contavam ali com uma enorme massa de desempregados dispostos a engrossar as fileiras da reforma agrária. Mas a maior oferta de terras está no Norte. "Com a modernização da agropecuária no Centro- Sul, as terras improdutivas nessas regiões foram desaparecendo. Restou para o governo promover a reforma agrária no Norte", diz Navarro. O fato de muitos assentamentos terem sido feitos no Pontal do Paranapanema apenas confirma a tese. Naquela região, principalmente no sul de São Paulo e norte do Paraná, estão as áreas já juridicamente decretadas como terras devolutas. Ou seja, são de propriedade do Estado e para transformá-las em assentamentos o custo não é tão elevado, uma vez que a desapropriação se limita à remuneração das eventuais benfeitorias.