000_Was3569677.jpg

 

 

Governos do mundo todo estão quebrando a cabeça nesta segunda-feira para tentar reduzir os danos provocados pelos milhares de documentos confidenciais – e comentários indiscretos – dos Estados Unidos publicados pelo Wikileaks, que geraram uma das mais tensas crises diplomáticas do mundo.

Apesar do embaraço dos diplomatas, as autoridades foram rápidas em criticar a divulgação das cartas confidenciais, a maioria datada de 2007 a fevereiro deste ano, e em afirmar que seus conteúdos não danificarão as relações. Entre as revelações mais bombásticas, um pedido do rei saudita Abdullah aos americanos, para que "cortem a cabeça" da cobra iraniana e um memorando que relata como hackers do governo chinês tentaram invadir o Google. As mais de 200.000 mensagens já haviam sido mostradas a jornalistas de cinco veículos ocidentais há várias semanas, e agora serão publicados gradualmente na internet ao longo das próximas semanas. Muitos ainda esperam o pior.

O presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, cujas políticas são alvo de muitos documentos, desprezou o vazamento, afirmando que as informações são "uma travessura", "não valem nada" e não afetarão as relações com seus vizinhos árabes. A Grã-Bretanha, por sua vez, afirmou que continuará trabalhando de maneira próxima com os EUA, apesar das descrições pouco honrosas do primeiro-ministro David Cameron contidas em alguns dos memorandos que ainda serão divulgados.

O jornal inglês The Guardian, um dos que receberam uma prévia de alguns documentos, indicou que os próximos memorandos contêm opiniões americanas "constrangedoras" acerca de Cameron e do ex-premier Gordon Brown – um "fraco". Um porta-voz de Cameron disse que os vazamentos "inibem a conduta dos governos".

O dono do Wikileaks, Julian Assange, descreveu o lote de documentos divulgados como "uma história diplomática dos Estados Unidos", que abrange "todos os temas mais importantes" de sua política externa. Apesar de um ataque virtual que derrubou seu principal site no domingo, o Wikileaks começou a publicar as 251.287 mensagens – 15.652 das quais são classificadas como "secretas" – enviadas por 274 embaixadas americanas em todo o mundo na página https://cablegate.wikileaks.org.

As autoridades americanas correram para tentar conter os danos causados pela divulgação dos documentos diplomáticos, comunicando-se com governos aliados para avisar sobre alguns conteúdos constrangedores. Washington, no entanto, recusou-se a negociar com o Wikileaks, afirmando que os documentos haviam sido obtidos pelo site de maneira ilegal. O Afeganistão também insistiu que suas relações com os EUA não seriam danificadas, apesar das mensagens nas quais o presidente Hamid Karzai é descrito como fraco e paranoico, e seu irmão, como um barão do narcotráfico corrupto. "Não vimos nada de substancial nos documentos que manchem as relações", destacou Waheed Omer, porta-voz de Karzai. "Vamos esperar para ver o que mais é publicado antes de fazer mais comentários a respeito".

Em algumas mensagens, diplomatas americanos dizem que Karzai é "dominado pela paranoia" e por "teorias da conspiração". Também a Rússia se esforçou para minimizar o conteúdo das mensagens, nas quais diplomatas dos Estados Unidos chamam o país de "virtual Estado mafioso" e afirmam que Vladimir Putin, e não o presidente Dmitri Medvedev, é quem manda no país, num momento delicado em que Washington e Moscou tentam impulsionar as relações bilaterais. "Não há nada de novo ou que mereça um comentário nestas pulicações", afirmou Yulia Timakov, porta-voz do Kremlin, citada por agências russas. "Nossos próprios diplomatas às vezes são tão abertos quanto nas mensagens particulares que trocam entre eles", riu um oficial do Kremlin, que pediu o anonimato, citado pelo jornal Kommersant.

Israel, por outro lado, saiu beneficiado da confusão: os documentos revelam diplomatas de alto escalão defendendo as posições do Estado judaico e discutindo a preocupação dos países árabes em relação ao programa nuclear iraniano. "Não acho que Israel tenha sido prejudicado de nenhum modo" pela publicação dos documentos, comemorou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu – embora um documento de 2007, quando ele integrava a bancada oposicionista, revele uma declaração sua polêmica: "nunca permitirei que nenhum palestino retorne para Israel".

Maior vazamento da história

Os segredos da diplomacia americana, da espionagem dentro da ONU e dos principais dirigentes do mundo, foram revelados neste domingo (28) pela publicação através do site Wikileaks de 250.000 documentos que ameaçam provocar uma crise diplomática mundial.
O WikiLeaks divulgou por meio de cinco jornais de referência mundial "250.000 documentos que desnudam a visão que os Estados Unidos têm do mundo", afirma uma destas publicações, o britânico The Guardian.

"O maior vazamento da história", como classifica nesta segunda-feira o jornal espanhol El País, as mais de 251.000 notas diplomáticas que, entre 2004 e 2010, foram trocadas entre o Departamento de Estado e inúmeras embaixadas, e que começaram a ser publicadas no domingo pelas versões eletrônicas do New York Times (Estados Unidos), Le Monde (França), El País (Espanha), The Guardian (Grã-Bretanha) e Der Spiegel (Alemanha).

Os documentos foram analisados por 120 jornalistas das cinco publicações, que consideraram que sua "missão era colocá-los à disposição dos leitores".

As postagens do Wikileaks indicam que os Estados Unidos ordenaram a seus diplomatas que atuassem mais ativamente no recolhimento de informações e realizassem tarefas de espionagem e também revelam as opiniões americanas sobre os líderes estrangeiros, além dos pedidos da Arábia Saudita para que o Irã fosse atacado por causa de seu programa nuclear.

ONU

Os documentos afirmam que os funcionários do Departamento de Estado tinham ordem de obter informações pessoais de altos funcionários da ONU e figuras-chaves de países em todo o mundo.

Os textos se referem a tarefas tradicionalmente reservadas à Agência Central de Inteligência (CIA) e outras agências de espionagem, que foram transmitidos a embaixadas americanas na África, Oriente Médio, Europa Oriental, América Latina e a missão de Washington ante a ONU.

Um dos documentos, por exemplo, enviado aos diplomatas em nome da secretária de Estado Hillary Clinton, em julho de 2009, ordena que sejam obtidos detalhes técnicos dos sistemas de comunicação dos principais funcionários da ONU, indica The Guardian.

Isso inclui palavras-chave e códigos de encriptação pessoais utilizados em redes comerciais e privadas para comunicações oficiais. O New York Times indica que um documento assinado por Hillary pede a seus funcionários na ONU que obtenham "informação biográfica e biométrica dos principais diplomatas a Coreia do Norte".

The Guardian acrescenta que a ordem também visava ao recolhimento de dados do secretário-geral Ban Ki-moon, em especial sobre "seu estilo de gerenciamento e tomada de decisões, além de sua influência sobre o secretariado". Washington também pede os números dos cartões de crédito, endereços eletrônicos, números de telefone, fax e, inclusive, as contas de passagens aéreas dos altos funcionários das Nações Unidas.

A ordem secreta para obter "inteligência humana nacional" foi enviada às missões dos Estados Unidos na ONU, Viena, Roma e 33 embaixadas e consulados. As Nações Unidas anunciaram horas depois, em um comunicado, que "não se encontram em posição de comentar sobre a autenticidade dos documentos". De qualquer maneira, disse confiar que os Estados membros respeitem a imunidade garantida à organização mundial.

Oriente médio

Entre outros temas delicados, os documentos vazados pelo Wikileaks revelam, por exemplo, que o rei Abdullah da Arábia Saudita teria pedido aos Estados Unidos que ataquem o Irã para destruir o programa nuclear iraniano. O monarca saudita teria solicitado que os Estados Unidos "cortassem a cabeça da serpente" e afirmou que trabalhar com Washington para contrabalançar a influência iraniana no Iraque era "uma prioridade estratégica para o rei e seu governo".

Segundo outro documento, Israel teria pressionado os Estados Unidos a adotar uma posição mais firme com relação ao Irã em dezembro de 2009, ao afirmar que a estratégia americana de negociação com Teerã "não funcionava".

América Latina
As suspeitas sobre uma possível presença da Al-Qaeda na "tríplice fronteira" entre Brasil, Paraguai e Argentina, a decisão de isolar o presidente venezuelano Hugo Chávez e as "suspeitas" em Washington a respeito da presidente argentina, Cristina Fernández de Kirchner, são os primeiros assuntos sobre a América Latina revelados por estas notas diplomáticas.

Segundo o The Guardian, Washington pediu em 2008 a seus diplomatas que investigassem a possível presença da Al-Qaeda e de outros "grupos terroristas" islamitas na "tríplice fronteira". A região tem muitos imigrantes de países árabes e é cenário de uma arrecadação de fundos para organizações como o Hezbollah libanês ou o Hamas palestino, e está na mira desde o atentado de 1994 contra a mutual judaica AMIA de Buenos Aires (85 mortos).

Líderes mundiais

Saiba o que os documentos revelaram sobre os princiáis líderes mundiais:

– Presidente da Argentina, Cristina Kirchner: O jornal El País, de Madri, anunciou este domingo que um dos documentos recebidos do site WikiLeaks diz que o Departamento de Estado americano pediu à embaixada em Buenos Aires informações sobre "o estado de saúde mental" da presidente.

– Presidente da Venezuela, Hugo Chávez: Um vice-secretário americano, Philip Gordon, recompila uma conversação com um conselheiro presidencial francês, Jean-David Lévitte, na qual o segundo disse que o presidente venezuelano está "louco" e disse que até mesmo o Brasil não podia apoiá-lo. Outro documento mostra que a diplomacia americana trabalhou para isolar o presidente venezuelano.

– Primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi: Um importante diplomata o descreve como "irresponsável, vão e pouco eficaz como líder europeu moderno". Outro documento o descreve como "frágil física e politicamente", que não descansa apropriadamente por causa das festas que dá até altas horas da madrugada.

– Presidente afegão, Hamid Karzai: Um documento o descreve como "extremadamente frágil" e passível de acreditar em teorias conspiratórias. Karzai mantém uma relação difícil com o presidente americano, Barack Obama.

– Líder líbio, Muammar Kadhafi: Um texto diz que Kadhafi é "quase obsessivamente dependente de um pequeno núcleo de funcionários de confiança" e aparentemente não pode viajar se não o fizer acompanhado de uma "voluptuosa" enfermeira ucraniana. Acredita-se que Kadhafi tenha medo de voar sobre o mar e de pernoitar em andares altos de edifícios.

– Presidente russo, Dimitri Medvedev: Apesar de ser oficialmente o chefe de Estado e chefiar o primeiro-ministro, Vladimir Putin, a embaixada americana em Moscou diz que Medvedev "é o Robin do Batman, Putin".

– Chefe de governo alemã, Angela Merkel: Um documento a considera "contrária à tomada de riscos e raramente criativa". Seu ministro das Relações Exteriores, Guido Westerwelle, teria uma "personalidade exuberante", mas pouco conhecimento de política externa.

– Presidente francês, Nicolas Sarkozy: A embaixada dos Estados Unidos em Paris acredita que o presidente é "suscetível e autoritário", destacando suas críticas a colaboradores.

Casa Branca

Numa primeira reação, a Casa Branca condenou "nos termos mais fortes a publicação irresponsável e perigosa" desses documentos, afirmando que a iniciativa do WikiLeaks poderá fazer com que muitas pessoas corram riscos mortais. "Que isto fique claro: tais revelações fazem nossos diplomatas correrem riscos", afirmou o porta-voz do presidente Barack Obama, Robert Gibbs.

Além disso, Londres, Paris, Berlim, Bruxelas e Roma condenaram a publicação "irresponsável e perigosa desses documentos", que, segundo Le Monde e The Guardian "estão desatando uma crise diplomática mundial", cujo impacto foi resumido pelo chanceler italiano, Franco Frattini: "É um 11 de setembro para a diplomacia mundial".