Estou em Hollywood, onde entrei em contato com os três surrealistas americanos, Harpo Marx, Walt Disney e Cecil B. DeMille. Acredito tê-los intoxicado e que as possibilidades para o surrealismo aqui se tornem uma realidade.” Na carta endereçada a André Breton, líder do grupo surrealista na Europa, o artista Salvador Dalí (1904-1989) afirmava sua afinidade com três dos maiores ícones do cinema americano comercial. De fato, ele não demoraria a contaminá-los com seu humor anárquico e seu hiperrealismo kitsch. Em 1937, pouco depois da chegada a Los Angeles, já marcava presença no set de Um dia nas corridas, dos Irmãos Marx, desenhando retratos de Harpo interagindo com lagostas e línguas gigantes. Convidado pelos grandes estúdios a roteirizar e desenhar seqüências oníricas de diretores como Fritz Lang e Alfred Hitchcock, nos anos 40, Dalí guardou muito da visão vanguardista e “alucinógena” que marcou sua pintura e sua estréia no cinema com Um cão andaluz (1929) e A idade do ouro (1930), em parceria com Luis Buñuel. Essa fertilização mútua entre cinema e pintura é o tema da mostra Dalí: painting and film, no MoMA-NY.

Projetada em looping contínuo, a seqüência onírica realizada por Dalí para Quando fala o coração (1945), de Hitchcock, divide o espaço expositivo com óleos sobre tela e desenhos de cenas. Ao colocar filme e pintura lado a lado, a curadoria da exposição (a cargo de uma equipe do MoMA, da Tate Modern, de Londres, e da Fundação Gala-Dalí, de Figueres, na Catalunha, terra natal de Dalí) optou por uma montagem que representa bem a inter-relação entre as áreas. Depois da sala do filme de Hitchcock, vem um módulo dedicado a Walt Disney, que em 1945 convidou o artista catalão para trabalhar em um curta de seis minutos para o longa Fantasia (1940). Devido a problemas financeiros – ou ao teor controverso das imagens representando o amor entre Chronos e uma mulher mortal –, o filme não aconteceu. Disney, afinal, não era tão surrealista assim.

Há ainda uma mostra de 50 filmes projetados em sala de cinema. Entre eles, destaca-se Babaouo (2000), realização do catalão Manuel Cussó-Ferrer, baseado em roteiro original de Dalí de 1932. O filme, que completaria a trilogia de Um cão andaluz e A idade do ouro, não chegou a ser realizado na época. Mas ficou o pôster, uma belíssima collage de ícones dalinianos.