Catrólico. Foi assim que o artista argentino Xul Solar (1887-1963), conhecido por sua pintura mística e visionária, se autodefiniu aos 70 anos, depois de enveredar pelo ocultismo e toda sorte de pensamento esotérico. Criador de novas palavras, tendo inclusive inventado um idioma, o neocriollo, Solar queria dizer que era ao mesmo tempo católico e astrólogo. Ou seja, que os ensinamentos do catolicismo valiam tanto para ele como os mistérios do zodíaco. Tanto é assim que, ao final da vida, pintou um auto-retrato no qual não se viam suas sobrancelhas grossas nem seu olhar de mago. Apenas símbolos e diagramas de mapas-astrais. Intitulou a têmpera de Horóscopo de Xul Solar. O trabalho foi o escolhido para dar boas-vindas ao visitante da mostras Xul Solar – visões e revelações, aberta no sábado 24 na Pinacoteca do Estado, em São Paulo, em comemoração aos 100 anos da instituição. Com 150 obras, é a maior exposição retrospectiva do importante artista argentino já feita no País.

Xul Solar foi um artista único. Tanto na independência do estilo – que começa tateando o impressionismo, o expressionismo e a pintura metafísica, até
desaguar numa profusão de formas e signos –como nas inquietações existenciais. E cultivava um humor bem portenho. “Sou campeão do mundo de um panjogo que ainda ninguém conhece: o panxadrez. Sou mestre de uma língua que ninguém lê ainda. Sou criador de uma nova técnica musical (…).” Assim se apresentou uma vez. Mas é tudo verdade. Portanto, é melhor afinar a visão para as suas lúdicas aquarelas, têmperas e pinturas, que de festivas só têm a aparência. É o que aconselha a curadora argentina Patricia M. Artundo. “A idéia da exposição é marcar o caráter peculiar da proposta de Xul e encontrar uma linha que demarque o caráter espiritual de sua busca”, explica. Para uma melhor compreensão das muitas facetas do artista, Patricia dividiu a mostra por temas recorrentes, de forma cronológica. No segmento Novo Mundo, o destaque é a obra Drago (dragão em neocriollo), de 1927, que mostra a entidade mitológica carregando as bandeiras dos países latino-americanos. A obra faz parte de sua utopia pan-americana, assim como a fantástica Vuel Villa, de 1936, no segmento A Cidade e seus Habitantes. Embora possa ser visto como surreal, Xul Solar se dizia realista. Só que a realidade para ele estava mais além da existência banal.