Para a maioria dos amantes do romance noir, o gênero policial traz imediatamente à memória nomes como os de Hercule Poirot e Sherlock Holmes e os meandros das escuras vielas do submundo europeu e dos fétidos becos das grandes cidades americanas. O Brasil, torcem o nariz muitos dos aficionados, não tem tradição nem jeito para a coisa. Para provar o contrário, ou seja, que mesmo no escaldante sol dos trópicos se pode criar uma literatura feita de sombras e sórdidos expedientes, em nada inferior à dos autores estrangeiros, Flávio Moreira da Costa acaba de lançar sua mais recente antologia, Crime feito em casa – contos policiais brasileiros (Record, 462 págs., R$ 39,90), uma preciosa amostra de incursões de alguns dos melhores escritores brasileiros no gênero que consagrou Agatha Christie.

São, ao todo, 33 contos editados em ordem cronológica e com subtítulos bem-humorados, como (Bons) antecedentes, Pioneiros precursores, Contemporâneos insuspeitos e Novos & cúmplices. Neles se acompanha a evolução da literatura brasileira do gênero policial, desde os inquestionáveis Machado de Assis, Olavo Bilac, João do Rio e Lima Barreto até grandes nomes mais recentes, como Marcos Rey e Dalton Trevisan. Como se não bastasse, o autor fez questão de incluir alguns dos mais novos representantes do gênero, como Heloisa Saraiva e Iosif Landau – além de um trecho do livro O equilibrista do arame farpado, de sua própria autoria e vencedor de um de seus dois prêmios Jabuti. O trecho, modestamente, foi incluído em uma categoria à parte, como Bônus, e é uma homenagem ao detetive Philip Marlowe, criado por Raymond Chandler.

Curiosamente, o que mais chama a atenção nos contos é a evolução do crime na sociedade brasileira. Dos golpes e assassinatos quase ingênuos, românticos e angustiantes do século XIX, quando o enfermeiro machadiano se entrega por um crime que a realidade se encarregou de esconder, até nossos dias, revela-se uma escalada que cada vez impacta menos o olhar do público. A tão decantada banalização da violência transpira por cada uma das linhas das narrativas contemporâneas, escudada no deboche com que freqüentemente os crimes são tratados. Essa escalada do perfil criminoso bem mereceria uma avaliação mais detalhada do ponto de vista psicossocial. Com a palavra os especialistas, pois o campo, graças ao minucioso trabalho de Moreira da Costa, está muito bem representado.