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OCUPAÇÃO
Liliana Magalhães, responsável pelo projeto que distribui
o acervo do Santander nos escritórios do edifício

Muitas coleções privadas de grandes bancos são disponibilizadas ao grande público em exposições organizadas por curadores ou consultores especializados. Mas, quando não estão expostas, as obras podem passar anos arquivadas em reservas técnicas. “Hoje, a reserva técnica de um banco não é mais uma simples coleção particular. Ela é fruto de fusões entre diferentes corporações e abarca um grande conjunto de obras que constituem não só um capital, mas também um bem simbólico”, explica Franz Manata, curador do projeto “Convivendo com Arte” do banco Santander. Esse é um programa original de divulgação do acervo que, em vez de se dar por meio de uma exposição tradicional, procura estimular o conhecimento da arte no próprio ambiente de trabalho. O projeto faz circular o acervo da instituição em 18 andares de sua nova sede em São Paulo e é dedicado aos seis mil funcionários que ocupam e transitam pelo edifício diariamente.

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AUDITORIA
Lucimara, com pintura de Manabu Mabe,
vê relações entre as obras

O curador trabalha com a diretora do acervo cultural, Elly Devris, e com Liliana Magalhães, gerente executiva de cultura, de forma a dar visibilidade à coleção resultante da fusão entre o Santander e o Banco Real, hoje um dos maiores conjuntos de arte moderna do Brasil. O projeto contempla 365 obras de Candido Portinari, Di Cavalcanti, Manabu Mabe, Iberê Camargo, Carybé, Maria Bonomi, entre muitos outros artistas brasileiros, divididas em quatro temáticas curatoriais.

A Natureza da Arte, O Imaginário Brasileiro, O Caleidoscópio das Cidades e Invenções e Inventário são os temas que introduzem, na galeria do 2º andar, as grandes linhas do programa. Nela, estão expostas 17 obras que abarcam desde a pintura modernista de Di Cavalcanti até o construtivismo geométrico de Hércules Barsotti. Esse primeiro eixo curatorial foi então subdividido em outros 17 temas, que distribuem outras 348 obras pelo edifício, de acordo com as áreas de trabalho.

Na área de auditoria, por exemplo, estão agrupadas obras sobre o tema Trabalho. São expostos desenhos e pinturas de Portinari e Tadashi Kaminagai, membro do Grupo Seibi, coletivo de artistas que reuniu importantes pintores de origem japonesa no Brasil, cujo quadro “Bailarina” intrigou a auditora financeira Lucimara Batista. “Achei estranho justo o nosso andar ter o quadro de uma bailarina e fiquei pensando de que maneira ele se relacionava com o tema proposto. Acontece que uma bailarina também é, antes de tudo, uma trabalhadora”, conclui. Já o português Miguel Lino Ferreira, da área de microcréditos e que cursa pós-graduação em arte, se diz entusiasmado com as possibilidades que a iniciativa está lhe trazendo. “Quando vou a outro andar fico procurando pelas obras para ver a diferença, descobrir quem são os artistas e a reação das pessoas em torno disso”, comenta. Segundo Liliana, o projeto está transformando a noção da arte como objeto de ostentação em uma forma de conhecimento coletivo. “O objetivo é criar uma dinâmica em que a relação com o objeto de arte extrapole a função decorativa do acervo.

A coleção é muito mais que um bem material, é um bem cultural que está sendo compartilhado”, afirma.

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MICROCRÉDITOS
Ferreira, com obra de Carybé, alia seus
interesses em arte e finanças

 

Entrevista com Elly Devris

Como administrar uma Coleção de Arte

 

Elly de Vries é hoje a coordenadora do Acervo Cultural do Banco Santander. Mas desde 2004 é a responsável pela reserva técnica localizada no centro de São Paulo, que já pertenceu ao Banco Real, se ocupando de administrar a manutenção de uma das maiores coleções de arte do país. Hoje a reserva, lugar que abriga obras de arte, possui acervos advindos das fusões do Real com diferentes bancos, e mais recentemente recebeu o acervo do Banco Santander, resultando em total de 3 mil trabalhos. Formada em História da Arte e com especialização em Museologia, a coordenadora fala sobre o começo das coleções de arte feitas pelos bancos brasileiros a partir da década 1960 e sobre o projeto “Convivendo com Arte” do Santander Cultural.

ISTOÉ Como aconteceu a incorporação do acervo do Banco Real ao acervo do Banco Santander?

Elly de Vries Houve uma fusão dos acervos. Na verdade existem dois acervos que estão sob a mesma gestão. Um deles é a antiga coleção do Banco Banespa que durante sua incorporação ao Banco Santander foi transferida para o Instituto Cultural Banespa e que hoje é o Santander Cultural. E outras coleções que pertenciam ao Banco Real e aos outros bancos incorporados ao Santander, como o Banco Bozano, o Meridional e outros, também passaram a pertencer ao patrimônio do Banco. Mas não dá para separar as coleções com todo esse rigor, porque, por causa das fusões, obras de um mesmo artista passam a se repetir em diferentes delas. Para mim, não faz muita diferença se um Volpi é de uma ou de outra coleção. A questão é que hoje o cuidado com as obras independente de sua origem é o mesmo.

ISTOÉ Quais são as características dessa grande coleção?

E.V. Bom, prevalecem as obras de arte moderna. È uma linha comum que as instituições financeiras do Brasil têm, pois elas começaram a formar suas coleções no final da década de 1960. Os Bancos eram interessados em arte moderna. Nessa época, procuravam-se obras de Portinari, Milton da Costa, Volpi, Di Cavalcanti, todos artistas que estavam vivos. Essas instituições compravam as obras diretamente desses artistas, e nesse sentido elas eram contemporâneas porque estavam sendo produzidas naqueles tempos. A gente percebe um traço comum, tanto no Banco Santander quanto no Banco Real, que já tinham incorporado outros acervos, como por exemplo, o acervo do Banco Sudameris, o Banco da América do Sul, o Banespa, etc. Todas essas instituições tinham em comum esse início de colecionismo da década 1960, que era um momento de boom brasileiro, da calmaria da década pós década de 1950, do pós-guerra. Essa foi a época em que os Bancos se fortaleceram e começaram a dialogar com o mercado da arte. Após a fusão do Banco Santander e do Banco Real, a coleção agregou em torno de 3 mil obras, e no momento estamos identificando qual é o seu perfil. As obras que não se enquadram nessa característica global da coleção são doadas para instituições públicas que possuam um lugar para elas em seus próprios acervos. No momento estamos tentando chegar ao número de mil obras apenas e assim tentar dar um perfil mais homogêneo para a coleção que tem o objetivo de ser uma coleção cultural.

ISTOÉ A formação de grandes acervos é uma tendência mundial na medida em que grandes empresas de um mesmo setor, não somente o dos Bancos, realizam cada vez mais fusões. Em sua opinião isso torna estes acervos mais ou menos acessíveis pelo público?

E.V.Eu acho que isso é bom porque está se criando uma especialização para esses acervos formados por esse tipo processo. Do nosso ponto de vista, o acervo do Banco Santander é público, é um acervo de arte brasileira e temos todo um investimento em manutenção, pesquisa, preservação e atualização desse patrimônio. As obras de arte quando elas fazem parte de coleções privadas ou institucionais dependem desse mantenedor. O Banco tem o objetivo de valorizar esse patrimônio, tentando levar ao público as coleções através de publicações, exposições, que abrem um diálogo com o universo da pesquisa. Fizemos um livro sobre a coleção do Real e estamos preparando um livro sobre a coleção integrada do Grupo Santander.

ISTOÉ Qual foi papel do acervo junto à curadoria do projeto “Convivendo com Arte”?

E.V. No caso, o curador já trabalhava junto ao acervo desde o Banco Real. Quando chegou a nova coleção, começamos a pensar um novo núcleo e o nosso objetivo passou a ser o de levar uma quantidade de obras para a sede administrativa do Santander, onde hoje trabalham cerca 6 mil pessoas. Neste local estão trabalhadores que advêm de diferentes instituições financeiras e que passaram a trabalhar juntos após a fusão. Muitas das obras já eram familiares a algumas dessas pessoas, mas a outras não. O projeto é uma maneira de apresentar aos próprios funcionários do banco este novo acervo, e é um jeito de se criar uma memória comum sobre as obras de arte do banco. Existe uma linha de diálogo dessas obras que estão arranjadas pela sede do Santander, e isso é um treino para o olhar. As pessoas a partir do momento que começam a identificar esses temas passam a perceber esse discurso comum que é o da arte no ambiente de trabalho.