A cantora mais “it” do momento, como diziam os radialistas em 1930, estourava com Pra você gostar de mim (Taí). Os 36 mil discos vendidos dessa marchinha composta por Joubert de Carvalho foram um marco de sucesso no mercado brasileiro, mas estavam longe do fenômeno que sua intérprete, Carmen Miranda, ainda viria a produzir. Dos rádios e cassinos brasileiros, foi para a Broadway e estúdios de Hollywood, tornando-se a primeira celebridade latino-americana (apesar de ter nascido em Marco de Canavezes, em Portugal) a carimbar as mãos na Calçada da Fama, em Los Angeles. Lá, a Pequena Notável de pouco mais de um metro e meio de altura virou a “Brazilian Bombshell”. Mas viveu pouco para desfrutar da fama: Carmen morreu aos 50 anos, vítima de colapso cardíaco, em 1955. Sua trepidante história é relembrada agora no cinqüentenário de morte, através de livros, jóias, roupas, exposição e peças de teatro.

A homenagem mais arrebatadora é o musical Marília Pêra canta Carmen Miranda,
no qual a atriz emociona por se transmutar na cantora. O espetáculo, que estreou neste fim de semana no Rio de Janeiro, recupera o clima das antigas produções
do carioca Cassino da Urca, onde Carmen eternizou o visual de baiana estilizada, com muitos balangandãs e turbantes. O cenário recria as alegorias – e Marília dá vida à criatura. A atriz canta, dança, revira os olhos, contorce as mãos e esbanja sedução. Ela interpreta 36 canções, entre as quais Eu dei, Taí, O que é que a baiana tem, No tabuleiro da baiana, Camisa listrada, Adeus batucada, Disseram que eu voltei americanizada, I make my money bananas, Chica chica bum chic, Cai cai e Mamãe eu quero. A elogiável performance dos atores-músicos que recriam o Bando da Lua e as coreografias de Sonia Destri e Carlinhos de Jesus – que faz uma participação especial na peça – completam o “universo mirandiano”, como diz o diretor Maurício Shermann.

Chanel – “É um espetáculo feliz”, resume Marília, que já fez Carmen outras vezes (a primeira em 1965 e a última em 1972) e encarnou divas como Maria Callas e Dalva de Oliveira. Ela conta que a nova performance começou a nascer em Paris, quando interpretava a estilista Coco Chanel em peça homônima. “Lá eu conheci o chapeleiro da grife, Ludovico Michel, e ele fez um chapéu ao estilo dela”, diz. O resto do figurino, assinado por Fabio Namatame, segue a elegância deste adereço. Marília começou a ensaiar Carmen nos dias de folga de Chanel. Daqui a pouco, acontecerá o inverso: Carmen sai de cartaz em 16 de novembro e, ato contínuo, Chanel reestréia em Portugal. Antes, em outubro, a atriz começa a filmar Embarque imediato, de Marcelo Florião, e lança o filme Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues. Em dezembro, passa a se dedicar à tevê: grava a minissérie global JK, de Maria Adelaide Amaral, substituindo o tailleur e os balangandãs pela discrição da primeira-dama Sarah Kubitschek. Uma boa notícia para os cariocas: Chanel deverá ser montado no Rio em abril do ano que vem.

Aos 62 anos, a atriz se mantém magra, bonita e com impressionante fôlego. “Carmen era um foguete, fico exausta, ainda mais com aqueles saltões”, diz, referindo-se ao salto extremamente alto, tipo plataforma, que a cantora usava.
Marília confessa que titubeou quando Shermann a convidou para o papel:
“Pensei: acho que não consigo, não tenho mais energia.” Hoje, ao ser perguntado se a atriz dá conta do papel, Shermann responde assim: “Você está de sacanagem! Marília é um fenômeno, ela faz a Carmen sem imitar a Carmen. Tem sutilezas que
só as grandes atrizes têm.”