As testemunhas sobreviventes diziam que apenas os animais sabiam que algo de muito errado estava por acontecer. Os bichos que puderam escapar saíram correndo. A população, porém, não teve a mesma sorte. Um furacão com ventos de 230 quilômetros por hora e o conseqüente tsunami de cinco metros de altura atingiram em cheio a cidade de Galveston, no Estado do Texas, pulverizando absolutamente todas as construções. Oito mil pessoas morreram num único dia. Foi o maior desastre natural já registrado nos Estados Unidos e aconteceu em 1900. Depois disso, o município foi reconstruído e uma barreira de concreto de cinco metros de altura foi levantada na orla. Cento e cinco anos depois, esta muralha parece, no mínimo, antiquada – para não dizer cambaleante.

Êxodo – O furacão Rita, que na terça-feira 20 saiu da categoria 3, ganhou embalo nas águas quentes do Golfo do México e passou à condição 5, o mais destrutivo na escala de potência. Rumava direto para Galveston, com promessas de que causaria estragos equivalentes aos ocorridos no começo do século XX e semelhantes às destruições sofridas em New Orleans e outros locais de Louisiana, Mississippi, Alabama e Flórida. No intervalo de dois dias, mais de um milhão de pessoas na região texana partiram em busca de abrigos longe da rota dos ventos de 265 quilômetros de Rita. Poucos são aqueles que se arriscam a enfrentar as forças da natureza depois da tragédia trazida pelo Katrina, no mês passado.

Desta vez, porém, os governos locais e o federal agiram com rapidez. As ilhas que compõem as Flórida Keys, ao sul do Estado, já tinham sido evacuadas, na terça-feira 20, quando Rita era ainda apenas categoria 3. Os danos materiais foram poucos. Mas, ao ganhar o Golfo do México, o furacão embalou. Imediatamente, a Fema – órgão federal de emergência a desastres – deu o alerta aos prefeitos texanos para que fosse dada a partida em um plano de retirada dos habitantes. “Nem todos saíram ou vão obedecer à ordem de evacuação. Mas nós não podemos fazer nada. Temos de contar com a racionalidade dos habitantes”, disse a ISTOÉ o major Alan Farrell, da Fema. Em Washington, o governo Bush fazia de tudo para que os ventos de Rita não causassem mais destruição à imagem do presidente – em frangalhos depois da inepta resposta ao Katrina. “Até novembro, quando terminará a temporada de furacões, estaremos em alerta geral e, já sabemos, teremos muito trabalho. Esperam-se mais nove furacões de categoria 3 ou pior”, diz Farrell. Até agora, morreram mais de mil pessoas, vítimas do Katrina.

Uma tragédia ocorrida na noite de quinta-feira 22 agravou as condições da retirada das pessoas de suas casas. Um incêndio de causas desconhecidas destruiu
um ônibus que transportava evacuados de Houston para Dallas, no Texas. Pelo menos 24 pessoas morreram e mais de 20 ficaram feridas, a maioria idosos. O acidente agravou ainda mais o colapso do trânsito na estrada interestadual 45
ao sul de Dallas.

Em New Orleans, no bairro de Ninth Ward, um dos mais baixos da cidade e que tinha sido inundado pelo Katrina, o dique voltou a transbordar devido às intensas chuvas causadas pela aproximação de Rita.

Dilema republicano – Galveston não tem os níveis de miséria de New Orleans. A população conta com mais recursos para a fuga. Grande parte das famílias tem carro e os pedestres puderam ser acomodados em veículos públicos. Mesmo assim, com os gastos para a reconstrução das áreas atingidas pelo Katrina – estimados em cerca de US$ 200 bilhões –, o governo Bush se vê diante de um buraco financeiro que não deixa recursos para outros salvamentos. “O projeto político republicano está diante de um dilema: eles foram eleitos com uma plataforma prevendo diminuir o tamanho do Estado e de sua intervenção na sociedade. Cortaram impostos e programas. Acabaram entrando num déficit orçamentário – o maior em 60 anos – e são obrigados a gastar ainda mais com as reconstruções e com a guerra no Iraque. Não há dinheiro para isso”, diz o economista Wayne Patner, do Partido Democrata. “Uma das soluções seria reverter os cortes de impostos, pelo menos aqueles dados aos contribuintes mais ricos. Isso é anátema, não só ao programa republicano como à política de Bush. O resultado será maior endividamento público, com uma herança deficitária histórica para o próximo presidente”, diz Patner.

O resto dos Estados Unidos começou a sentir os efeitos de Rita antes de sua aterrissagem. O galão de gasolina – que estava baixando nas bombas, depois do impacto do Katrina – começou a subir novamente. Os preços de outros produtos, inclusive os de alimentação e medicamentos, acompanharam a escalada. Aqueles que conseguiram fugir de Rita ou do Katrina foram apanhados por um vendaval inflacionário sem igual. Ou seja, aos furacões de 2005 aplica-se a máxima: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come."