Traído pelos malefícios da velhice, desde a última década o francês Henri Cartier-Bresson vinha se apoiando numa bengala que, apropriadamente, em situações específicas se transformava num banquinho. Nele, o mais importante fotógrafo do século XX se sentava para observar ou desenhar as obras de arte do parisiense Museu do Louvre, local que conhecia nos mesmos detalhes que a inseparável câmera Leica, marca que o acompanhou desde quando começou a fotografar em 1931. Há muito, Cartier-Bresson havia aposentado suas lentes, ou melhor, a lente 50mm, a única com a qual fotografava. Como uma Greta Garbo da fotografia, abandonou o ofício em 1973, aos 65 anos, ainda no auge de uma carreira coroada de sucesso e reconhecimento. Optou pelo desenho e pela pintura, atividade que desde a adolescência o laçou apaixonadamente. Foi desenhando a lápis, crayon e caneta que Henri Cartier-Bresson viveu até seus últimos dias. Ele morreu na segunda-feira 2, de causa não divulgada, aos 95 anos – faria 96 em 22 de agosto – em Isle-sur-la-Sorgue, Sudeste da França, conforme informou uma pessoa de seu círculo na quarta-feira 4.

Filho de uma rica família de industriais do ramo têxtil, Cartier-Bresson, que nasceu em Chanteloup, arredores de Paris, nunca se interessou pelos teares. Preferia a companhia dos livros de escritores do porte de Marcel Proust – seu preferido – e James Joyce ou do poeta Arthur Rimbaud. Assim que se interessou pela câmera, em 1932 levou à fama internacional um de seus primeiros cliques, o de um homem e sua sombra na poça d’água formada à frente da estação Saint-Lazare, em Paris. Durante a década de 1930, viajou à Espanha, onde documentou a Guerra Civil, e ao México, país que voltaria outras vezes para perpetrar excelentes registros dos contrastes da realidade local. Na mesma época, quando nenhum turista se arriscava na África, por aventura se embrenhou nas savanas, contraiu malária e só foi salvo da morte pelas ervas de um nativo. Durante a Segunda Grande Guerra caiu três vezes prisioneiro dos alemães. Fugiu em todas elas. Com o término do conflito, em 1947 fundou com os colegas Robert Capa, David Seymour e George Rodger a Magnum, agência que fez história ao estabelecer o padrão de qualidade do fotojornalismo.

Seu currículo ainda aponta outras ousadias. Em 1954, se engaja como o primeiro fotógrafo ocidental a ser admitido na União Soviética após a morte de Stalin.
Depois, percorre o Oriente Médio, muda de continente e, fascinado pelos mitos do socialismo nascediço, seus olhos azuis focam os líderes Fidel Castro e Che Guevara. Ao longo da carreira, fotografou as maiores celebridades do século XX: Pablo Picasso, Henri Matisse, Samuel Becket, Jean-Paul Sartre, Marilyn Monroe e muitas outras. Ironicamente, detestava a fama. “Sou grato pelo reconhecimento, mas isso é muito pesado. Gostaria de ser anônimo”, dizia o fotógrafo, um inimigo dos flashes e das conversas com jornalistas. Não lhe interessava “o lado anedótico das entrevistas”. Também era dono de frases incisivas sobre sua arte. “A técnica em si não existe. Fotografia não se aprende. O aprendizado, o contato excessivo com a máquina é a preguiça do olho, ele fica atrofiado.” Numa de suas raras entrevistas, em 1996 revelou à crítica Sheila Leirner, de O Estado de S.Paulo, que apenas duas coisas o interessavam: o instante e a eternidade. Henri Cartier-Bresson eternizou centenas de instantes.