Escalado para ser o protagonista do espetáculo Don Juan, de Guilherme Figueiredo, Paulo Autran ficou “infelicíssimo, magoado e ofendido mesmo” por constatar, logo na primeira leitura da peça, que as melhores intervenções vinham do personagem Leparela, papel do colega Armando Couto. Desapontado, desabafou com a amiga Tônia Carrero, que, em vez de consolá-lo, lascou-lhe um puxão de orelha. “Ela me fez perceber o ridículo de minha atitude. Morri de vergonha e comecei a realizar até onde minha vaidade havia me levado.” Trata-se de uma passagem da juventude do ator, na época com apenas 28 anos. E ela é contada assim, com tamanha franqueza, no livro Paulo Autran sem comentários (CosacNaify, 270 págs., R$ 85), que ISTOÉ revela com exclusividade. Traz 250 fotos dos principais momentos dos 58 anos de carreira, escolhidas pelo próprio Autran, hoje com 83. “Envelhecer tem suas vantagens. Não sou mais tão vaidoso”, garante.

Engana-se quem pensa que a bronca da amiga Tônia, somada ao reinado absoluto em anos de palco, tenha extinguido por completo o pecado da vaidade. Sisudo, o
ator perde a pose ao menor elogio e não se irrita de ser alvejado por uma trovejada de palmas assim que surge em cena e antes mesmo de dizer a primeira fala de Adivinhe quem vem para rezar?, seu 91º espetáculo, em cartaz no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo. “Acho que as pessoas se deram conta de que estou
velho e resolveram ser mais amáveis e calorosas comigo. Sabe que eu gosto disso?”, confessa. Acima da vaidade, contudo, está o orgulho de sua trajetória. Autran costuma se definir como homem de teatro, título que é um dos poucos em condição de ostentar. “Nenhum ator brasileiro montou tantos grandes autores
como eu, nem mesmo João Caetano”, compara. Televisão foi um descuido, mesmo sendo antológico o duelo do ator com Fernanda Montenegro na novela Guerra dos sexos, quando o casal protagonizou uma cena pastelão no café da manhã. “Não tenho a menor vontade de fazer novela. Na televisão nada depende
da qualidade do ator, tudo é Ibope”.

Concessão – Em seus planos futuros inclui uma montagem de Molière. Deseja também trabalhar com o diretor Gerald Thomas. “O último convite que ele me fez foi para Édipo rei. Eu disse que seria impossível, pois a Henriqueta Brieba já morreu. Ela era a única atriz que poderia interpretar minha mãe”, ironiza, aos risos. Entre uma temporada e outra, Autran faz algumas concessões ao cinema, caso de A máquina, de João Falcão, com estréia em outubro. “Eu faço o galãzinho, cinqüenta anos depois”, adianta, lacônico. Na tentativa de explicar o gosto pelo cinema, cita Glauber Rocha, que o dirigiu no clássico Terra em transe. “Fernando Meirelles e Walter Salles são bons diretores, mas ainda não alcançaram o prestígio internacional do Glauber. Eu o conheci em sua fase mais brilhante e criativa.”

Entre as recordações e as ironias calculadas, o ator acende seu cigarro, inimigo inseparável. Confessa que ficou nove meses sem fumar, após sofrer um problema cardíaco que resultou em cinco pontes de safena. “Não faço exercícios e fumo como um condenado. Só penso na morte quando alguma jornalista me pergunta”, debocha, ao ser questionado se tem medo de morrer. “A morte é o coroamento da vida. Imagine que tédio seria viver para sempre?” Arrependimentos, não tem nenhum. Mas confessa que viveu lá seus fracassos. Cita o espetáculo Frankel, de 1957, escrito por Antonio Callado. “Nos ensaios eu achava o texto incrível. Mas, na estréia, a platéia saiu no meio da peça. Ficamos em cartaz três dias, um fiasco”, relembra. Não lamenta também os filhos que não teve. “Quando eu era mais mocinho, senti vontade de ser pai. Mas, quando vejo amigos contando as dores de cabeça que têm com os filhos, fico aliviado.” Casado há seis anos com a atriz Karin Rodrigues, o casal faz a linha moderna – vive em casas separadas. “Nossa relação é prazerosa. Jogamos tranca com nossos amigos, vamos ao teatro e ao cinema.” Perguntado se essa é a receita de casamento ideal, Autran é, mais uma vez, deliciosamente irônico. “Você me olha como se eu fosse dizer algo definitivo. Nada na vida é definitivo”, determina ele, sem comentários.