O 14 de julho passado era o dia da esperança para a psicanalista Roseana Garcia. Nesta data, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitava Campinas. A viúva do prefeito assassinado da cidade, Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, acreditava que Lula aproveitaria a passagem por lá para finalmente anunciar a transferência das investigações sobre a morte do político para a Polícia Federal. Havia motivos para a alegria. Ela ouvira da boca do então candidato Lula que, se eleito fosse, o caso mudaria de jurisdição. Desilusão. Além de não se pronunciar, Lula ignorou a manifestação organizada pela viúva e seu movimento, apropriadamente intitulado “Quem matou Toninho?”. O silêncio e o desprezo por pouco não a levaram à lona. Desde 10 de setembro de 2001, data do crime, ela luta para provar que Antônio, como carinhosamente o chama, não foi vítima da infeliz coincidência de estar no caminho do bando do traficante Wanderson Nílton de Paula Lima, o Andinho. O grupo fugia após uma suposta tentativa de sequestro. Toninho estaria no lugar errado, na hora errada. Essa é a versão sustentada pela polícia de Campinas. Roseana briga desesperadamente para provar que o crime foi político. “Só posso dizer que muita gente ficou feliz com a morte do meu marido.” Inconformada, indignada e, sobretudo, desiludida, Roseana recebeu ISTOÉ. Entre lágrimas e lembranças de Antônio, ela soltou sua mágoa contra Lula, o PT, a polícia e prometeu não entregar os pontos até que a justiça seja feita.

ISTOÉ – Na sua visão, o que aconteceu com o presidente Lula na sua
passagem por Campinas?
Roseana Garcia –
Eu estava esperançosa. Acreditava que no dia do aniversário de Campinas ele iria anunciar que o crime passaria para a Polícia Federal. Só que ele ignorou o meu protesto. Ignorou que o meu marido deveria estar naquele palanque junto com ele. Eu não estava esperando isso. O mínimo que esse governo pode fazer é reinvestigar o caso. Fiquei com uma raiva enorme, totalmente indignada ao ouvir aquele discurso dele como se o Antônio não fosse nada, ninguém. Não sei o que está motivando isso. Só faço uma pergunta. Por quê?

ISTOÉ – Há algum motivo para o governo agir assim?
Roseana –
Não sei por que o presidente teve esse comportamento. Foi perdida uma oportunidade de esse governo mostrar a que veio. Por que um homem, que é o chefe maior da Nação, não vai me ouvir. Por quê? Eu fiquei muito mal com essa atitude do presidente. Eu conheço o Lula pessoalmente desde 1988. Ele chegou a ir em casa algumas vezes. Para mim é mais uma promessa que o governo não está cumprindo. Não sei se é algo político maior, se é algo pessoal.

ISTOÉ – Pessoal? Mas em que sentido? O Toninho teve alguma desavença
com o presidente Lula?
Roseana –
Com o Lula, não, mas com o Jacó Bittar. O Jacó era uma pessoa
do Lula. Quando foi vice prefeito do Jacó, o Antônio fez várias denúncias contra a administração. Culminaram com algumas ações populares. Numa delas, o superfaturamento de um aterro sanitário, o Jacó foi condenado. Uma ação no valor de R$ 3,6 milhões. O estranho é que depois da morte do Toninho o Jacó tentou até se aproximar de mim. Mas não quero conversa.

ISTOÉ – Para defendê-la, a sra. contou com os serviços do escritório do advogado Márcio Thomaz Bastos, hoje ministro da Justiça. O que ele tem feito.?
Roseana –
O dr. Márcio me trata muito bem. Não deixa de me atender quando o procuro. Não dá as costas para mim. Chegou a dizer que se o Lula não fizesse alguma coisa ele sairia. Mas acho que ele também está amarrado. No fundo, sempre tenho a esperança de que ele esteja fazendo alguma coisa que eu não sei. Quem sabe não está investigando numa dessas operações sigilosas. O dr. Márcio é uma pessoa de quem gosto e prezo muito.

ISTOÉ – Na época deputado federal, José Dirceu chegou a ir á Brasília com a sra. pedir providências à Polícia Federal e ao então ministro da Justiça de FHC, Aloísio Nunes Ferreira? Como ministro-chefe da Casa Civil e com trânsito com o presidente Lula ele não poderia interferir a seu favor?
Roseana –
Em dezembro de 2001, o Zé Dirceu e o Paulo Frateschi (presidente
do PT de São Paulo) foram comigo à Polícia Federal. Hoje, o Zé Dirceu não
quer nem saber que eu existo. Isso me dá um desânimo total. O caso do meu
marido não é prioridade. É página virada. É isso que eles querem.

ISTOÉ – A sra. está afirmando que não acredita mais no governo do PT?
Roseane –
Sou petista há muitos anos. Eu ainda acredito que eles vão fazer
alguma coisa. A hora que eu me convencer que eles são iguais a todos os outros vou ter que ir para o PSOL (partido fundado pela senadora Heloísa Helena, expulsa do PT) ou virar anarquista. Mas eu preciso de algum sinal, de alguma coisa efetiva acontecendo. Sei que é uma decisão complicada. Afinal, o Lula tem que ter coragem para tirar o caso da polícia do governador Geraldo Alckmin. Ele vai ter que peitar o Alckmin. O problema é que não tenho mais muita esperança.

ISTOÉ – A sra. se sente traída?
Roseana –
Traição é pouco. É mais do que isso. É como se o humano não contasse, não valesse nada. É como se alguém dissesse: “Olha, seu marido morreu. Azar o seu, o problema é seu. Não temos nada a ver com isso.”

ISTOÉ – Como psicanalista, a sra. tenta compreender as razões que movem as pessoas para o bem e para o mal. Gostaria de analisar o presidente Lula para entender o porquê de sua mudança de atitude?
Roseana –
Eu poderia até analisá-lo. Mas não tenho essa pretensão. Eu não quero falar mal do Lula, pois estou com raiva dele. Quando você está com raiva de alguém não consegue ver nada de positivo nele. Estou com ódio profundo. Mas não quero falar mais nada sobre ele. Eu só gostaria de entender o porquê disso tudo. Esse mundo político não é o mundo da verdade.

ISTOÉ – A sra. não aceita a versão da polícia de que seu marido atrapalhou involuntariamente uma fuga dos bandidos da quadrilha de Andinho. Então,
quem matou Toninho?
Roseana –
Quem puxou o gatilho pode até estar morto. Pode até ser os bandidos acusados pelo crime. Os assassinos do meu marido foram executados pela polícia de Campinas em Caraguatatuba. Para mim essa prisão do Andinho foi combinada. O Andinho nega que tenha participado da ação. Mas eu quero saber mesmo quem mandou matar. Só posso dizer que teve muita gente feliz com o assassinato do meu marido. Não posso enumerá-los porque me matariam também. Inclusive, recebi ameaça de morte da própria polícia. Ligaram para o meu cunhado dizendo que sabiam onde eu morava, que carro eu usava, onde está minha filha. Com medo, saí de Campinas e mudei para São Paulo. O Antônio ficou anos sem poder, gritando. No dia em que ele teve poder, o mataram. Gritava contra as empreiteiras, corrupção, especulação imobiliária. Ele era um cara com quem não dava para negociar.