Comportamento

"Minha psicanálise é o rock’-n’-roll"
Em ótima fase profissional, Nasi, ex Ira!, briga na Justiça com a família e os antigos companheiros de banda, na tentativa de expurgar sua dor

Rodrigo Cardoso
 

i76735.jpgCastro é viciado em cocaína. Tem uma esposa chamada Marisa. Não se entende com a internet, olha desconfiado para o celular e torce o nariz para as modernidades deste século. Em Sem fio, filme brasileiro que estréia no começo de 2009, histórias com enredos paralelos giram em torno dessa figura agressiva, um anti-herói com aura de rock star: todos o adoram, apesar de saberem que ele não é santo. Na pele do protagonista, o paulistano Marcos Valadão Rodolfo, o Nasi, estréia nas telas de cinema. Em seu currículo, traz a fama como vocalista da banda Ira!, duas ex-namoradas de nome Marisa (Monte, cantora, e Orth, atriz), uma internação para vencer a dependência de drogas e a aversão por e-mail. Apesar das coincidências, Castro foi escrito antes de o diretor de Sem fio, Tiaraju Aramovich, conhecê-lo. “Nasi foi o sonho de todo diretor, chegava antes da hora das gravações e ensaiava o que fosse preciso”, atesta Aramovich.
Aos 46 anos, Nasi vive um ótimo momento profissional. Irá terminar o ano com mais de 60 shows em sua nova trajetória solo, apresenta semanalmente um programa em uma rádio de São Paulo e já confecciona um novo CD. Como resumir essa fase produtiva? “O inferno são os outros”, diz ele, citando o filósofo francês Jean-Paul Sartre. Faz sentido, uma vez que, mesmo se dizendo feliz, o cantor não consegue esconder o coração ferido. Tudo começou há um ano, quando, em suas palavras, foi expulso do Ira!, a banda que fundou há 27 anos junto com o guitarrista Edgar Scandurra, após um bate-boca com seu irmão e empresário, Airton Valadão Jr. E piorou poucos meses depois, quando seu pai, Airton Valadão, alegou que Nasi não tinha condições psicológicas para tomar decisões e pediu a interdição judicial do filho.
Depois de ter se submetido a análises de psiquiatras e psicólogos e ser considerado são pela Justiça há um mês, o roqueiro afirma: “Nem louco nem normal. Sou maluco beleza.” A decisão judicial que atestou sua sanidade mental poderia ter sido o sopro de tranqüilidade que ele precisava para retomar a estrada e zerar sua fase Ira!. Mas não foi. Brigas, drogas, disputa de egos, por dinheiro e controle sobre a obra são a tônica de nove entre dez bandas de rock – no livro Poison heart (coração envenenado), por exemplo, o baixista Dee Dee Ramone percorre todos esses temas e não poupa tinta para descrever, sem censura, o lado B dos Ramones, a maior banda de punk rock da história. Nasi pensa em fazer o mesmo que Dee Dee, mas também tem expurgado seus demônios de outras formas.
O ex-vocalista do Ira! está processando o irmão Airton Jr., o pai, de 75 anos, e dois antigos companheiros de banda, o guitarrista Scandurra e o baterista André Jung. Na contramão, foi acionado na Justiça por Airton Jr. e pela produtora dele. “Meu pai me deve explicações. Ele nunca mais me ligou. Se não puder ser pessoalmente, vai ser por meio da lei”, afirma Nasi. “O interesse dele não era com a minha saúde, mas com a saúde patrimonial do meu irmão”, continua. Contra Airton Jr., o cantor entrou com um processo trabalhista. Alega que a marca Ira! foi registrada por seu irmão em nome próprio sem seu consentimento e, uma vez empregado dele, tem direitos a receber. “Descobri que eu era tratado como empregado há anos. Mas esse negro escravo aqui já trabalhou 27 anos nesse engenho, doutor! É público e notório quem fundou e afundou essa banda: eu e o Edgar”, diz Nasi. “Nunca mais quero ter contato com o meu irmão.”
Por e-mail Airton Jr. disse que não se manifestaria. O pai do cantor, que mora em Itapeva, Minas Gerais, não retornou às ligações de ISTOÉ. Já Scandurra lamenta a forma como tudo aconteceu. Processado juntamente com o baterista Jung por, segundo Nasi, “usar de inverdades e acusações falsas sobre a minha conduta”, o guitarrista diz que torce para que o excompanheiro se dê bem. Sobre o episódio da interdição judicial, Scandurra afirma que sempre achou que o processo não daria em nada: “O Nasi podia estar nervoso, ter um desvio de comportamento que gerou briga, mas tinha capacidade artística.”
i76737.jpgUma pessoa que pediu para não ser identificada e está envolvida em um dos processos afirma que o pedido de interdição judicial foi feito depois que o roqueiro ameaçou de morte, por carta e telefone, três pessoas: o irmão, Scandurra e uma ex-namorada. “Essa garota terminou com o Nasi e passou a namorar uma percussionista que tocou com a banda, com quem está casada até hoje”, conta. “Aí, ele enlouqueceu de vez.” Para o cantor, a raiz de toda a celeuma foi o fato de ele ter pedido uma prestação de contas ao irmão. “Eu queria ter acesso aos contratos dos shows. Aí, ele fez da minha vida um inferno e começaram as brigas”, diz Nasi. “Ninguém estava preocupado comigo. Criou-se um teatro todo, mas o verdadeiro intuito era frear a CPI que eu queria instaurar. Estou saudável porque minha psicanálise é o rock’-n’-roll.”
Vivendo esse imbróglio todo enquanto rodava Sem fio, interpretar Castro foi moleza para o cantor, que fazia terapia no set e colocava para fora toda a mágoa que sentia. Talvez seja por isso que, como ator, ele tenha sido o “sonho de todo diretor”. Longe do microfone ou da câmera, Nasi é das antigas, como diz, capaz de comprar briga de amigo. Mas apanhou tanto da vida que, hoje, a expressão “eu desconfio” está estampada em seu rosto. Pai de duas garotas, de 19 e 17 anos, tem gostos triviais, como ficar em casa e fazer caminhadas, sempre pelos mesmos locais.
Nasi cria uma gata de rua e se diverte com os peixinhos que ficam em um aquário perto da hidromassagem de seu apartamento. No palco, diz não conseguir cantar canções épicas do Ira!, como Envelheço na cidade e Flores em você. “É meio aviltante cantá-las. Quero guardá-las na memória de uma época em que éramos, além de jovens, idealistas e honestos uns com os outros”, afirma. Esse espírito tornou o Ira! um sucesso do rock nacional que encerrou as atividades com 13 álbuns, 1,5 milhão de cópias vendidas e cerca de 80 shows por ano no currículo.